O uso excessivo de antibióticos na infância pode provocar um maior risco de desenvolver alergias na fase adulta, revela um estudo experimental conduzido na Austrália.
Em um artigo publicado no último dia 15 na revista científica Immunity, pesquisadores da Universidade de Monash, na Austrália, indicam que a o uso frequente dessas medicações provoca uma desregulação das bactérias intestinais, interrompendo a produção de IPA (ácido indol-3-propiônico). Esta substância ajuda a prevenir quadros alérgicos.
O modelo foi testado em camundongos em laboratório. Ao receberem doses contínuas de antibióticos na infância, os roedores se tornaram adultos mais suscetíveis à alergia a ácaros na poeira doméstica. Essa suscetibilidade foi mantida mesmo depois da normalização da microbiota intestinal, desregulada pelo uso exacerbado dos medicamentos.
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Os cientistas também constataram que a disbiose diminuiu os níveis de IPA, mas a boa notícia é que, ao isolar a substância e suplementá-la em animais jovens, foi possível protegê-los de inflamações alérgicas na idade adulta.
Por ser feita em camundongos, a pesquisa ainda não oferece conclusões categóricas sobre o modo como antibióticos levam a alergias respiratórias, nem apresenta uma nova forma de tratamento comprovada em humanos, mas traz hipóteses relevantes, explica o médico Fábio Motta, vice-diretor de qualidade e pesquisa clínica do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba.
No dia a dia do consultório, muitos médicos já notavam a relação entre o abuso de antibióticos e o surgimento de alergias, mas faltava um estudo que conseguisse desvendar um pouco melhor esse mecanismo em laboratório, diz a pediatra, alergista e imunologista Mariana de Gouveia Pereira Pimentel, do Instituto Pensi (Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil).
Não é por acaso que a associação entre alergia e disbiose é investigada por cientistas. A microbiota intestinal reúne trilhões de microrganismos fundamentais ao metabolismo humano e ao sistema imunológico, e calcula-se que 70% das células imunes estão presentes no intestino, diz o alergista Alex Lacerda, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Ao interferir nesse complexo, matando bactérias desnecessariamente, o uso frequente e inadequado de antibióticos coloca em risco uma dinâmica indispensável ao funcionamento do corpo.
Mas as disbioses intestinais e o aumento da suscetibilidade a alergias não são os únicos riscos do uso excessivo medicamentos, lembra a alergista imunologista Raisa Borges de Castro, do Hospital Sírio-Libanês em Brasília. O consumo inadequado da medicação também pode levar à resistência bacteriana, tornando as infecções mais difíceis de serem tratadas.
O próprio criador da penicilina, Alexander Fleming, alertou sobre esse perigo em seu discurso quando recebeu o prêmio Nobel de Medicina, em 1945. Segundo o biólogo britânico, a banalização do uso poderia fortalecer bactérias a nível global, levando a um problema de saúde pública.
Mais recentemente, em 2022, um relatório divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) mostrou que os óbitos associados à resistência antibacteriana chegaram a 4,95 milhões em 2019 e poderão atingir 10 milhões em 2050, alcançando a mesma quantidade de mortes por câncer registradas em 2020.
Foi pensando nesses riscos que a OMS criou em 2015 o Plano de Ação Global em Resistência a Antimicrobianos, com o objetivo de assegurar a capacidade de tratar e prevenir doenças infecciosas por meio do uso responsável de medicamentos e outras tecnologias em saúde.
No Brasil, desde 2010 a venda de antibióticos só pode ser feita mediante receita médica, seguindo uma resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no intuito de minimizar a elevação da resistência bacteriana no país.
Além disso, cada vez mais instituições de saúde têm criado protocolos internos para gerenciar o uso de antibióticos de modo inteligente. É o caso do Pequeno Príncipe, que lançou o Programa de Stewardship de Antimicrobianos e oferece formações sobre o tema a hospitais de várias regiões do Brasil.
Mas, além de aprimorar o olhar de profissionais da saúde para a questão, especialistas defendem que é preciso ainda conscientizar a população sobre o problema.
"A criança, por exemplo, deve receber acompanhamento médico contínuo, para que o profissional de saúde que vai atendê-las conheça seu histórico e saiba identificar com mais facilidade se uma condição é mesmo bacteriana e realmente demanda antibiótico", diz a pediatra do Instituto Pensi. "Essa medicação é importante e foi um divisor de águas na medicina, mas precisa ser usada com a máxima cautela", reforça.
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