Com novo avanço da dengue, o ano de 2019 registrou o segundo maior número de mortes pela doença desde 1998, ano de início da série histórica.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, até o dia 7 de dezembro, já haviam sido confirmadas 754 mortes por dengue.
Na prática, o total fica abaixo apenas do registrado em 2015, quando houve uma das piores epidemias da doença, com 986 mortes.
O número, porém, ainda pode crescer, já que o balanço não contabiliza o ano fechado. Até o dia 7, também havia 221 mortes suspeitas pela doença ainda em investigação.
Leia mais:
Doença do Maguila também pode ser causada por violência doméstica, diz médico
Estudo liga Covid, herpes e outras infecções virais ao risco de demência
Estudo mostra falhas em tratamento tradicional contra drogas
Governo prorroga até março de 2025 isenção de medicamentos importados
Os dados retratam o impacto do novo avanço da dengue ocorrido em 2019, após dois anos com baixo número de registros.
Ao todo, de janeiro até o início de dezembro, o ministério contabilizava 1.527.119 casos prováveis da doença.
É o segundo maior número desde que esses registros passaram a ser contabilizados, em 1990. A comparação do total de casos foi noticiada pelo jornal O Globo.
O número também representa um crescimento de 517% em relação a 2018, ano em que foram registrados 247.393 casos. O menor número de registros naquele ano, porém já era esperado devido ao acúmulo de dois anos com epidemia, caso de 2015 e 2016.
Já em 2019, especialistas têm relacionado a nova alta ao aumento na circulação do sorotipo 2 da dengue, o que não ocorria com maior força desde 2008. A mudança acaba por aumentar a chance de haver pessoas suscetíveis ao vírus. Antes, os sorotipos de maior circulação no país eram o 1 e o 4 - há quatro possíveis.
Para o coordenador do programa de dengue do ministério, Rodrigo Said, a mudança no sorotipo predominante ao fim de 2018, somada a fatores climáticos e à entrada em áreas de alto contingente populacional, ajudam a explicar o alto número de casos.
"Tivemos em 2019 um verão bem intenso, com altas temperaturas e chuvas, o que favorece a reprodução do mosquito e ocorrência de epidemias", afirma. "Também tivemos a mudança no sorotipo. Se observarmos a série histórica, a cada momento em que há essa mudança há aumento de casos."
Já o alto número de mortes pode estar relacionado, além de ao novo avanço da doença, a registros que apontam possibilidade de maior ocorrência de casos mais graves com sorotipo 2, aponta Said.
Para o infectologista Rivaldo Venâncio, coordenador de vigilância em saúde da Fiocruz e professor da Faculdade de Medicina da UFMS, a ocorrência de mortes por dengue também expressa a necessidade de melhorar a organização da rede de saúde.
"Em tese, a morte por dengue é evitável, salvo os casos fulminantes. O que temos observado é que em geral muitas dessas mortes são consequência de um erro", diz.
Entre eles, aponta, está a demora em procurar a rede de saúde, a falta de acesso quando procura a rede e a dificuldade para identificar a gravidade dos casos.
"Nas investigações, vemos que é raro o doente que morreu que foi uma única vez à rede de saúde", diz ele, segundo quem o início rápido do tratamento, que inclui sobretudo hidratação, pode evitar o agravamento dos casos.
Também é importante que pessoas com outras doenças mantenham seus tratamentos, afirma o especialista.
Ano de epidemia 'concentrada' traz alerta para 2020
Para o Ministério da Saúde, o cenário ocorrido em 2019 indica uma "epidemia concentrada" em algumas regiões.
Isso porque, do total de 1,5 milhão de casos, 65% ocorreram nos estados de São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Só em São Paulo, foram registrados 442.235 casos até 7 de dezembro, com 263 mortes.
Para Said, ao mesmo tempo em que indica uma concentração dos casos, a situação acaba por lançar um alerta também para o ano de 2020.
"Quando falamos que a epidemia foi mais concentrada no Sudeste e Centro-Oeste, isso aponta a necessidade de cuidado para este ano sobretudo no Norte e Nordeste", afirma.
"Nossa preocupação é observar se vai haver uma mudança no sorotipo nessas regiões", diz ele sobre áreas em que o sorotipo 2 ainda não é o predominante em circulação.
Além disso, a ocorrência maior da doença em algumas áreas dentro dos estados indica que mesmo São Paulo e Minas Gerais ainda podem ter novo avanço da dengue. "Há regiões em São Paulo que não foram tão impactadas em 2019. Ao ver o mapa, vemos que as áreas de maior incidência estavam na região oeste do estado."
Venâncio concorda. "O mosquito está aí, e em alguns estados com alto índice de infestação. O que foi localizado em 2019 foi só uma amostra. Vamos ver ainda agora nos anos seguintes, porque tem um conjunto de estados que não foram atingidos."
Chikungunya e Zika
Além dos casos de dengue, o Brasil registrou no último ano casos de outras arboviroses, como chikungunya e zika. Para a primeira, foram 130.820 casos. Destes, 85.758 foram no Rio de Janeiro, com 66 mortes.
Já a zika contabilizou 10.741 casos no último ano, com registros em diferentes estados.
Especialistas apontam a necessidade de manter o controle de focos do mosquito para evitar o aumento também desses casos.
"O número de pessoas que não tem anticorpos contra a chikungunya é elevado. A zika tem ainda um número pequeno de casos. Ela pode explodir? Em tese, pode, porque há pessoas suscetíveis e mosquito transmissor", diz Venâncio.
Atualmente, o Ministério da Saúde diz apostar em novas tecnologias, caso de um projeto para liberação de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, que reduz a capacidade do vetor em transmitir as doenças. Também aguarda o fim dos testes de uma vacina contra a doença.