Atualmente, Barição atende em uma clínica particular na cidade de São José dos Campos, no interior do estado. A suspensão da licença de trabalho foi encerrada na segunda (1º), mas ele manteve o afastamento por mais duas semanas.
Os procedimentos foram feitos no Hospital de Clínicas Municipal de São Bernardo por funcionários de clínica contratada pela Secretária da Saúde para prestar o serviço.
Um laudo do município, obtido pela reportagem, aponta que a equipe médica encabeçada por Barição usou os mesmos materiais para operar cerca de 27 pessoas, uma após a outra, das 9h às 16h.
Uma sindicância municipal também conclui que o profissional não lavou as mãos, usou o mesmo avental e instrumentos para os pacientes sem esterilizá-los adequadamente entre um e outro -além de ter feito só uma troca do lençol cirúrgico no dia.
O médico também teria levado dois dias até relatar o problema para Secretária de Saúde de São Bernardo, que só depois da notificação passou a encaminhar pacientes a centros cirúrgicos especializados na Grande São Paulo.
No inquérito, o médico confirmou à polícia outras acusações feitas pelas auxiliares de enfermagem, como ter convidado uma namorada para abrir embalagens e não ter aplicado tampões de proteção nos olhos dos pacientes após os procedimentos.
Na época, especialistas do Hospital São Paulo, na capital, foram convocados para analisar o caso e detectaram a presença da bactéria Pseudomonas aeruginosa nos olhos dos pacientes. O microorganismo causou endoftalmite aguda, um quadro infeccioso que provoca inflamações. Uma das alternativas de tratamento mais drásticas é a remoção do globo ocular.
Ao ver a mudança na cor dos olhos do pai, Vilma reforçou a dosagem do colírio até decidir levá-lo a um pronto-socorro. Lá, reencontrou as famílias do mutirão amontoadas na sala de espera.
Um especialista recomendou a remoção do globo ocular de Francisco para prevenir que a infecção alcançasse o cérebro.
"Ele já tinha uma baixa visão de um olho e buscou a cirurgia para o outro. Aí, ele perde um e fica com o olho já comprometido. Todos entraram em pânico", relembra Vilma. Seu pai hoje vive com familiares na Bahia.
Já Expedito Batista, 75, disse aos médicos que "preferiria morrer a ficar cego." Mas não teve escolha. A alternativa era retirar o globo ocular e passar a usar um olho de vidro. A outra opção era um tratamento com medicamentos, o que aumentaria o risco do avanço da infecção.
Batista escolheu não passar pela retirada do globo ocular, mas hoje é cego de um dos olhos.
Duas vezes ao dia, pinga colírio no olho afetado. A cada quatro meses, recebe acompanhamento médico de uma oftalmologista. "Às vezes, meu olho fica branco, feio. Não enxergo mais nadinha", diz.
Em nota, a Prefeitura de São Bernardo afirma que os pacientes são acompanhados por uma equipe de oftalmologistas, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais e participam de reuniões mensais para a manutenção de óculos e próteses oculares.
Na Justiça, as vítimas processaram o médico, duas auxiliares de enfermagem e o município de São Bernardo do Campo por ações como erro médico e lesão corporal. Segundo a defesa das vítimas, a ação criminal por lesão corporal ainda corre na Justiça.
Em 2016, o Ministério Público pediu o arquivamento de uma ação por lesão corporal grave contra Barição pela morte do paciente Pellegrino Fischer Riatto, ocorrida um mês após o mutirão. O tratamento de Riatto envolveu uma cirurgia e antibióticos para conter a inflamação.
Os promotores entenderam que a morte de Pellegrino, causada por quadros anteriores de saúde, não teve relação com a cirurgia de catarata. O documento, porém, reforça que "não existem dúvidas de que a vítima foi acometida por endoftalmite em razão da completa ausência de esterilização de instrumentos e outras assepsias."
Um ano após a remoção do globo ocular, o paciente Anísio Augusto, 70, também morreu por complicações pós-cirúrgicas, de acordo com familiares. Anísio teria desenvolvido um quadro de depressão após ter um dos olhos retirado.