Mães de crianças que fazem tratamento pelo Caps (Centro de Atenção psicossocial) infantil de Londrina reclamam da dificuldade para obter receitas de medicamentos de venda controlada. Elas também relatam barreiras para conseguir os remédios por meio da Farmácia Municipal.
A dona de casa Sheila Cristina Barbosa conseguiu as receitas dos três medicamentos de uso contínuo do seu filho adotivo Lucas, de 9 anos, nesta quinta-feira (6), mas não conseguiu a tempo um horário de atendimento na Farmácia Municipal para retirá-los.
De acordo com ela, só obteve um horário na próxima quarta-feira (12). Com isso, Lucas pode ter o tratamento temporariamente suspenso a partir de segunda (10). "Todo mês é assim. A gente pede a receita com uma semana de antecedência. Neste tempo, tenta conseguir atendimento na Farmácia Municipal, ainda correndo o risco de não ter o remédio para retirar", conta.
Lucas é um dos quatro filhos adotivos de Sheila, que acolheu os filhos de uma amiga que faleceu de câncer há dois anos. Porém, devido ao autismo e TDAH (Transforno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) de Lucas, ela parou de trabalhar para se dedicar aos seus cuidados, já que, muitas vezes, ele se recusa a ficar na escola. "E precisa cuidar o tempo todo, ou ele se põe em risco: sobe no telhado, em muros, ateia fogo se encontrar um fósforo", exemplifica.
A suspensão do tratamento agrava o quadro. Porém, segundo Sheila, é financeiramente inviável adquirir em farmácias particulares. "Cada caixa custa R$ 50 e ele toma 120 comprimidos por mês. E, se comprar só um remédio, a receita fica retida e não dá para pegar os outros", ressalta.
Os medicamentos psiquiátricos são, na maioria das vezes, de venda controlada, ou seja, é necessário apresentar a receita na farmácia em duas vias para que possam ser adquiridos. Porém, nem sempre as consultas são feitas mês a mês e, quando o período entre elas é maior que 30 dias, é necessário solicitar novo receituário. Mas as mães afirmam que, algumas vezes, não são assinados pelo psiquiatra que acompanha o paciente e outro profissional se nega a conceder os documentos para quem não acompanham, por desconhecer o tratamento.
Na manhã desta terça-feira (4), a copeira Tamires Gonçalves Serafim teve problemas para obter receitas para os três medicamentos de uso contínuo de seu filho Pedro Henrique, de 10 anos. Ele faz acompanhamento pelo Caps Infantil há cerca de três anos e a mãe alega ter deixado desde a semana passada a solicitação para novas receitas dos remédios que seriam retirados às 8h30 do mesmo dia.
Porém, de acordo com ela, a psiquiatra que faz o acompanhamento do menino não assinou as prescrições até a data e a outra profissional, que faz atendimento às terças e quintas, recusou-se a liberar o receituário devido ao garoto não ser seu paciente.
Diante do impasse, Tamires bateu o pé e não arredou do local até que uma solução fosse encontrada. Chamou o vereador Valdir Santa Fé (PP), que foi até o local e a colocou em contato direto com a coordenadoria do Caps. A solução foi obter as receitas por meio de um médico da UBS (Unidade Básica de Saúde) ao lado da unidade de atenção psicossocial.
“Mas, isso só vai resolver este mês. Só que todos os meses passo pela mesma dificuldade”, ressalta Tamires. “E, quando não é com a receita, é difícil entrar na fila da Farmácia Municipal; quando entra na fila, não tem o remédio disponível”, elenca.
A dona de casa Dinamara Rodrigues Motta tem dois filhos que fazem acompanhamento no Caps Infantil e enfrenta problemas semelhantes. Enquanto o pequeno Eloim, 7 anos, toma dois remédios diários, Simon, 12, precisa de quatro. "Para pegar a receita, é uma dificuldade enorme. Se a psiquiatra que os atende não deixa a receita pronta, a outra não aceita assinar", diz. Porém, ela afirma que a dificuldade para conseguir o receituário aumentou recentemente - o tratamento de Simon começou há mais de dois anos, diz.
Com consultas a cada três meses, ela precisa voltar todo mês para conseguir novos receituários e, em seguida, iniciar o périplo para retirá-los."A Farmácia Municipal é uma tremenda burocracia, isso quando não falta o remédio", reclama. E, na falta dos medicamentos, as mães se ajudam. "A gente pede para mães de quem toma a mesma coisa e trocamos. A gente se salva", diz.
Falta de funcionários
O vereador Valdir Santa Fé, que auxiliou a solucionar a situação de Tamires, disse que a situação do Caps é uma consequência crônica da falta de reposição de servidores públicos. “A psiquiatra teve um problema que a coordenadora não repassou para mim. Mas, a questão é que muitos lá (no Caps) são PSS (servidores temporários contratados por meio de Processo Seletivo Simplificado) e os contratos estão acabando. Os funcionários estão ficando ‘loucos’”, diz o parlamentar.
Membro da Comissão de Seguridade Social da Câmara de Londrina, o vereador diz que vai levar a situação para ser discutida no âmbito dos interesses do grupo, presidido por Sídnei Matias (Avante). “É preciso urgentemente contratar funcionários, como terapeuta ocupacional, que não tem. Os funcionários vão se aposentando, morrem, e não são repostos. Tem coisa que é fácil de resolver, mas, ficam emperrando [a solução]”, afirma.
Problemas de saúde e chamamento de profissionais
Por meio do Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) esclareceu que uma das duas psiquiatras que atendem no CAPS infantil vem enfrentando problemas de saúde e, por conta disso, a unidade está com dificuldade em agendar todos os atendimentos. Por conta disso, a pasta está remanejando um profissional da rede municipal para reforçar os atendimentos na unidade.
A Secretaria também disse que vai lançar um novo chamamento público para a contratação de mais profissionais da área para a unidade, "apesar da dificuldade em encontrar psiquiatras infantis", e que está em tratativas com um dos prestadores de serviço especializados na área de psiquiatria para a prestação de 880 consultas mensais a serem ofertadas em toda a rede.
A SMS negou a falta recente de medicamentos e afirmou que dispõe de "um sistema de controle eficiente de gestão dos insumos, apesar de, eventualmente, haver faltas pontuais, em função de dificuldades do próprio mercado".
"As aquisições de medicamentos pela Secretaria são feitas por meio de licitação ou compra via consórcio Paraná Saúde", informou a nota oficial da SMS.