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Pessoas que perderam dinheiro com jogos de aposta, como o tigrinho, têm encontrado amparo online em grupos que reúnem outras pessoas em situação semelhante e que compartilham dos mesmos sentimentos de tristeza, desespero e, muitas vezes, arrependimento.
Esses são alguns dos achados de uma análise da Orbit Data Science a partir de conversas no TikTok, Bluesky e X (ex-Twitter) que partiram de relatos de quem perdeu em jogos online.
Em 13,7% delas há o reconhecimento do vício por parte dos jogadores. A vontade de parar de jogar aparece em 10% das interações.
"A gente identificou esse jogador que já está entendendo que é um problema, sabe que precisa de ajuda. Esses jogadores estão criando grupos de apoio entre eles, trocando dicas de como parar, procurando aplicativos", conta Kaio Sobreira, chefe de pesquisa da Orbit.
Em países como Reino Unido e Austrália, a regulamentação das apostas online já destina recursos para entidades que tratam do vício. No Brasil, há previsão de repasse de parte da arrecadação com impostos do setor para a saúde, mas o poder público ainda não criou redes de apoio.
Os jogadores, então, estão fazendo isso por conta. "Eles individualmente já resolvem isso, criando grupos de apoio próprio, grupos de Whatsapp, já estão se movendo", continua Sobreira.
A pesquisa da Orbit filtrou 1.219 conversas nas três redes sociais e identificou que, da parte dos jogadores, ainda são recorrentes mensagens com citação de procura por apoio religioso, acúmulo de dívidas, e relatos de empréstimos bancários e com agiotas.
Esses relatos têm levado a uma percepção de que a aposta online é um problema social, aponta a análise.
"Destrói famílias" e "as pessoas perdem dinheiro" estão entre as opiniões mais comuns sobre o jogo, enquanto mais de 60% das opiniões sobre jogadores citam que o autor da mensagem conhece alguém que já perdeu dinheiro.
"A gente percebeu que essa parte está muito mais focada no bluesky, que é uma rede muito mais política, com pessoas com senso crítico mais aflorado. Quem não está dentro dos jogos tem essa visão, de perda de dinheiro e vício", explica o pesquisador.
A Orbit também mediu o sentimento do jogador ao relatar perdas. A tristeza (30%) prevalece, mas chama atenção os relatos de desespero (21%) e arrependimento (17%), que para a empresa ilustram os jogadores que já se identificam como viciados, e o de vergonha (15%), que faz referência direta ao convívio social.
"O jogador que faz parte da comunidade, traz problemas financeiros para dentro de casa, está precisando recorrer a pedir dinheiro para alguém, ou vender alguma coisa, ele começa a ilustrar esse sentimento de vergonha. Ele se afasta de grupos, comunidades, emprego", afirma o porta-voz da Orbit.
Aí, as redes sociais, que muitas vezes serviram de trampolim até a casa de apostas, oferecem a rede de apoio. "A gente vê mensagens como: 'Tomara que você se recupere', 'Eu também passei por isso, gastei o cartão do meu pai'. Muita gente ainda não consegue se identificar como viciado, mas tem uma parcela significativa que abre esses caminhos. 'Entrei num grupo aqui, se quiser entrar, esse é o link'."
A classificação foi feita por analistas humanos, considerando uma amostra aleatória de 95% de nível de confiança e 3% de erro amostra.