No Brasil é fácil encontrar companhias que mantêm uma relação com seus clientes baseada naquilo que intitulo "ética da desconfiança". Claro que temos ótimos exemplos de empresas que realmente procuram atender sua carteira da melhor forma possível, mas é indiscutível que muitas empresas ainda criam um monte de regras e procedimentos como se estivessem tratando de negócios com inimigos.
Você sabe que está passando por isso quando precisa solicitar o reparo de um produto novo que deu defeito e o atendente já começa fazendo perguntas agressivas que escancaram aquele tipo de pensamento: "Este cliente quebrou o produto sozinho na casa dele e pensa que eu sou trouxa". A partir desse momento, você sabe, a intenção do atendente será vender o máximo de dificuldades para ver se você desiste e vai embora.
O grande problema para nós consumidores é que só se descobre que uma empresa é guiada
pela ética da desconfiança quando precisamos utilizar os serviços de pós-venda e já pagamos integralmente aquilo que foi adquirido algum tempo atrás. É aí que o castelo de areia da promessa de encantamento desmorona em cima das nossas cabeças.
Por outro lado, muitos clientes também passaram a praticar a ética da desconfiança dentro da sua própria perspectiva. Se você tentou comprar um carro seminovo há pouco tempo sabe do que estou falando. Mesmo que o revendedor pareça ser sério, em sua cabeça também há aquela luzinha que diz: "Ele vai querer me enganar".
Não devemos ser ingênuos e confiar profundamente nas empresas ou pessoas com as quais fazemos negócios, afinal os laços de confiança se solidificam com o tempo. Entretanto, também não precisamos desconfiar de alguém quando não existem motivos concretos para isso.
A grande diferença na relação entre as empresas brasileiras e seus clientes daquilo que se pratica em países desenvolvidos é que aqui as companhias primeiro desconfiam dos clientes e depois pode ser que mudem de ideia. Lá fora eles confiam desde o princípio e, se necessário, tomam as providências cabíveis quando percebem que alguém pretende lesá-los.
É claro que tem um pouco a ver com a nossa própria cultura. Enquanto não declararmos repúdio total à lei de Gérson e outras práticas correntes na sociedade, as diferentes partes envolvidas em negócios empresariais continuarão a acreditar que seus oponentes – que, aliás, deveriam ser vistos como parceiros – poderão enganá-los a qualquer instante e continuarão a fazer a detestável pergunta: "Então, por que não ludibriá-los antes?"
Ainda bem que algumas empresas brasileiras superaram essa cultura de desconfiança e defesa excessiva para mover seus esforços em busca de oportunidades que criem valor na relação com seus clientes. Segundo elas, é muito melhor correr o risco de serem enganadas por um ou outro mal-intencionado do que gastar tempo e dinheiro para prevenir todo tipo de tapeação possível.
Além disso, elas encaram as reclamações dos clientes como oportunidades para fortalecer o comprometimento da marca com a sua carteira. Vou além: algumas companhias permitem-se errar para que tenham a chance de provar aos seus clientes que eles realmente são importantes. Como? Reparam o erro brindando-os com o que há de melhor, como o caso do hotel que reserva seu quarto favorito para um outro hóspede só para deixá-lo ficar na suíte presidencial naquela noite e sem que tenha de pagar um centavo a mais. Depois dessa, alguém ainda teria coragem de reclamar? Difícil.
A ética da desconfiança começa no tipo de relação que a empresa estabelece com seus funcionários. Se os gestores não confiam em seus colaboradores farão de tudo para tentar flagrá-los fazendo algo errado. E dando o troco, estes mesmos empregados procurarão tapear a organização, vão se rebelar contra ela ou, simplesmente, fingirão que trabalham.
E quem paga o pato? Você já sabe, nós clientes.
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