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Embriaguez, mortes e justiça

10 out 2018 às 23:00

O que os casos dos motoristas Daiane Cristina Freire, Luciana Vieira Siqueira e Ricardo Martins Moraes têm em comum? Os três foram responsáveis por mortes no trânsito na região de Londrina enquanto dirigiam embriagados. Os casos – que chocaram a cidade nos últimos meses pelo nível de violência das colisões, totalizando sete mortes - vêm sendo interpretados de formas diferentes pela Justiça, o que deixa as famílias das vítimas apreensivas sobre as decisões judiciais que estão por vir.


Ricardo Martins Moraes provocou um acidente último dia 30 de setembro, em trecho da PR-445, próximo ao distrito da Warta. Ele tentou uma ultrapassagem em local proibido e bateu contra a roda de um caminhão, que perdeu o controle, invadiu a pista contrária e atingiu o veículo em que estava uma família. O casal Fernando Afonso Rosa e Adna Simões de Souza e os dois filhos morreram na hora. O motorista do caminhão, Luiz Carlos Miranda, sofreu ferimentos leves.


Ricardo se recusou a fazer o teste do bafômetro, mas confessou ter bebido e foi preso em flagrante pela Polícia Rodoviária Estadual acusado de homicídio doloso com dolo eventual - aquele em que se assume o risco de matar. Na audiência de custódia, a juíza da Vara Criminal de Cambé, Jessica Valéria Guarnier, optou pela manutenção da prisão preventiva alegando "motivos de ordem pública". Até o momento, Ricardo segue preso.


Divulgação/Polícia Militar


Nos outros dois casos, as autoras respondem em liberdade. No dia 16 de agosto, Júlio César Fontana dirigia uma moto quando foi morto BR-369, próximo ao Parque Ney Braga. A motorista, Luciana Vieira Siqueira, estava com 0,64 mg/l de álcool no sangue. Ela ficou três dias internada na UTI do Hospital do Coração e foi solta após pagar fiança, conforme decisão do juiz da 4ª Vara Criminal, Luiz Valério dos Santos.


No despacho, o juiz afirmou que Luciana "possui bons antecedentes, tem residência fixa e trabalho lícito", além de que a motorista não tem indícios de "ameaçar testemunhas e nem se evadir da culpa", para uma possível prisão preventiva. Luciana teve a carteira de motorista cassada e não pode dirigir por um ano. Ela também precisa comparecer mensalmente à Justiça.


Já no dia 1º de maio, Daiane Cristina Freire foi responsável pela morte de Jean Goulart Camargo e Eliede dos Santos Oliveira, no semáforo das avenidas Dez de Dezembro e Guilherme de Almeida. As vítimas estavam em uma motocicleta aguardando o sinal abrir quando o carro de Daiane bateu violentamente na traseira, fazendo com que ambos fossem arremessados da moto e morressem na hora.


O bafômetro apontou 0,51 mg/l de álcool, quando o tolerado na Lei Seca é de 0,05 mg/l. O juiz de plantão, Luiz Gonzaga Tucunduva de Moura, decretou prisão preventiva de Daiane, mas na audiência de custódia, o juiz Juliano Nanuncio, da 3ª Vara Criminal de Londrina, entendeu que a autora era ré primária, e Daiane pagou fiança de R$ 3.180.


Reprodução WhatsApp


ANÁLISE DOS CASOS
O NOSSODIA conversou com a advogada criminal, Mariane Silva Oliveira, para entender da diferença nas decisões dos três casos. "O TJ (Tribunal de Justiça) já se manifestou no sentido de, para decretar a prisão preventiva no caso de homicídio doloso ou atribuir o crime em caso de leis de trânsito, é necessário outros elementos que indiquem que não foi apenas o fator de estar embriagado que fizesse com que a pessoa assumisse o risco de matar. No caso do Ricardo, a ultrapassagem proibida, o excesso de velocidade, o dia chuvoso, que requer mais cuidado, tudo isso foi levado em conta pelo Ministério Público para um eventual dolo, e a juíza de lá acatou", explicou a advogada.


Nos casos de Londrina, a advogada comentou que apesar das similaridades, os juízes entenderam que não seria necessária a prisão das acusadas. "É quase uma questão interpretativa. No juízo de Cambé, já houve a análise por dolo. Os juízes de Londrina, quando se manifestaram, ainda não tinham elementos para demonstrar esse dolo e mantiveram a acusação por homicídio culposo. Tudo depende de como o magistrado recebe as informações, mas nada impede de serem acrescentadas mais informações e que possam mudar o rumo das investigações, mas no primeiro contato, foi escolhido que as mulheres fossem indiciadas pelo crime culposo", completou.


No caso de Daiane, ela pode ir a júri popular. No dia 27 de setembro, o juiz de Direito Marcus Renato Garcia recebeu denúncia do promotor Tiago Gerardi para que Daiane responda por homicídio doloso. A motorista teria 10 dias para responder a acusação e a Justiça deve ouvir testemunhas e interrogar a autora do crime. O processo de Luciana corre na 1ª Vara Criminal e com relação ao caso mais recente, de Ricardo, a delegacia de Cambé deve finalizar o inquérito em uma semana e seguir com as investigações.


Advogados apresentam suas versões
O advogado de Daiane Cristina Freire, Thiago Issao Nakagawa, comentou que os três casos "são situações idênticas aos olhos do leigo", mas que possuem "interpretações diferentes do poder judiciário". Para ele, o clamor popular pela fatalidade – como no caso de Ricardo Martins Moraes - não pode sustentar, por si só, uma prisão preventiva. Perguntado sobre sua cliente, Nakagawa respondeu que o fato dela estar solta, não significa que não tenha recebido sanções. "(A Daiane) está sob medidas cautelares, como o comparecimento mensal em juízo, não se ausentar da comarca por mais de oito dias e a obrigatoriedade de estar presente em todos os autos, além do pagamento da fiança", completou.


Sobre a decisão da Justiça de Cambé, o advogado Silvio Arcuri, que defende Ricardo, afirmou que o fato, por ter acontecido em uma cidade de menor porte, pode ter causado um abalo maior à sociedade e que isso, no entendimento da Justiça, julgou necessário a prisão preventiva do seu cliente. "Na visão deles, uma decisão diferente poderia gerar um desprestígio ao judiciário. Foi uma postura bem enérgica, mas as vezes é a interpretação do juiz". Arcuri entendeu que a situação é "triste para todos os lados", mas que seu cliente não impõe risco à sociedade, nem é um "criminoso de carreira", por isso pedirá o habeas corpus.
A reportagem do NOSSODIA entrou em contato com o advogado de Luciana Vieira Siqueira, mas ele estava em viagem.


Gina Mardones


Famílias pedem Justiça
A reportagem do NOSSODIA também conversou com familiares dos acidentes em que as motoristas acusadas estão respondendo em liberdade. Maria Zenaide Fontana, esposa de Júlio César Fontana, vítima do acidente na BR-369, fala do seu sentimento quando soube da liberação de Luciana Siqueira após pagamento de fiança. "À princípio, ficamos revoltados, no sentido de não ver uma indignação da parte dos juizes. Foi como se tivessem matado meu marido duas vezes". A viúva também disse que recebeu uma ligação de Luciana. "Ela estava chorando, desesperada. Eu disse que a perdoava, mas que a Justiça tem que ser feita. A lei precisa endurecer, não só com cadeia, mas financeiramente também, porque ela destruiu a minha família".

Esposa de Eliede, uma das vitimas do caso na avenida Dez de Dezembro, Andreia Machado da Silva afirmou que a família se sente presa (em tudo que aconteceu). "Quando soube deste caso de Cambé, senti um pouco de inveja. No caso das famílias, teve praticamente a Justiça, porque o motorista continua preso. No meu caso, não teve Justiça nenhuma, porque ela (Daiane) continua solta e a nossa família continua ‘presa’ desde o acidente. Minha filha começa a chorar só de tocar no assunto. Está todo mundo querendo a Justiça", afirmou.


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