Estava mesmo no destino da gaúcha Maria Alice Zeni Tanure, 54 anos, não fixar raízes. Ainda pequena, trocou de endereço com os pais uma porção de vezes. Casou-se com o policial federal mineiro, Rubens Tanure, 64, cuja função exigia que a família mudasse de cidade, de tempos em tempos. Em 34 anos, o casal e os filhos residiram no Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal. Da vida de "nômade" ganharam grande recompensa: viajaram o país de Norte a Sul e acabaram por criar laços afetivos com cada lugar que conheceram.
Da rica bagagem cultural adquirida, certamente, o conhecimento culinário é um dos mais preciosos. É na cozinha, preparando os pratos que aprendeu nas suas andanças, que Maria Alice relembra das cidades, dos costumes e das pessoas com as quais se relacionou. "Em cada lugar procurei aprender bem alguma comida típica. No Maranhão, aprendi a fazer o cuxá e o arroz de cuxá, pratos que são feitos nas casas em dias de festa, porque são trabalhosos, mas que também são encontrados nos restaurantes de São Luís", conta Maria Alice, que morou na cidade nordestina, de 1988 a 1990.
Os dois pratos, assim como toda cozinha maranhense, saíram do "caldeirão miscigenado brasileiro" - como definiu Gilberto Freyre. Levam no preparo camarão seco e fresco, farinha de mandioca, gergelim torrado, arroz, cheiro verde, hortelã, tomate e o cuxá, folha também conhecida como azedinha e vinagreira. "Lá o cuxá é superfácil de achar, as pessoas plantam no quintal. Mas aqui, pode ser difícil, às vezes, tem nas feirinhas orgânicas. Uma amiga planta em casa e trouxe um pouco para a gente fazer a receita", disse Maria Alice, que sugere substituir o cuxá por espinafre, na falta da primeira folha.
"O arroz de cuxá tem os ingredientes básicos, mas cada maranhense tem o seu segredinho de preparo que não conta para ninguém", disse. A farinha d’água, uma farinha de mandioca amarelada e caroçuda, que acompanha ou é polvilhada em cima dos pratos, é vendida no Mercado Municipal por R$ 3,80 o quilo. Lá também é encontrado o camarão seco e o fresco de boa qualidade. "Só deve tomar cuidado ao usar o camarão seco daqui, feito com sal grosso, para não salgar demais o prato. Lá no Maranhão, o camarão seco é mais suave, é feito com sal normal e colocado no sol. Dá para descascar e comer", compara Maria Alice.
É preciso respeitar o tempo de preparo dos pratos, que leva em torno de uma hora e meia, fora o corte das verduras e limpeza dos camarões e do cuxá. "Caso contrário, compromete o sabor. Tudo tem que ser bem limpinho e picadinho. Os camarões tiro todas as vísceras e a casca. Essa parte é a mais trabalhosa", explica ela, contando que o arroz de cuxá e o cuxá são tradicionalmente servidos, no Maranhão, acompanhados de pescada branca ou fritada de camarão e de siri.
"Para mim, a melhor lembrança da cozinha maranhense são os frutos do mar e as pescadas. Não existe igual. O camarão de alto-mar tem uma cor azul brilhante nas costas e sabor incomparável. O preparo da pescada branca merece atenção, porque os maranhenses respeitam e preservam muito o sabor natural dos frutos do mar, não enchem de temperos. O peixe só leva sal e é frito em óleo com duas cabeças de alho", revela Maria Alice, auxiliada na cozinha pela filha Raffaela, de 26 anos, que era criança quando morou no Maranhão.
O melhor de lá
"O que mais gostei foram as frutas, como a carambola que lá é grande e bem docinha", confessa a jovem Rafaella, que junto com a mãe Maria Alice Zeni Tanure, elenca o que mais gostaram das terras maranhenses. "São Luís é a capital dos azulejos, que são lindos e decorados. Todas as casas têm azulejos para facilitar a limpeza porque lá chove mais de seis meses, e depois das chuvas, as paredes ficam cobertas de limo devido a umidade", conta Raffaela, destacando a influência portuguesa, francesa, africana e indígena nos prédios históricos e artesanato da cidade. "Nunca vi a cultura do reggae tão forte em outro lugar do Brasil", avalia.
O pai, Rubens Tanure, presenciou a inauguração da Base Espacial de Alcântara e, desde aquela época, os conflitos gerados com as comunidades quilombolas. "Em São Luís, também nos chamou atenção o movimento das marés. A cidade registra a segunda maior variação de maré do mundo. De noite, as ondas quebram na beira-mar e de manhã o mar fica distante quilômetros, deixando uma imensa extensão de areia", relatou Rubens, que sente saudade da tiquira, uma cachaça feita a partir da mandioca e servida em tudo quanto é boteco do Maranhão.
"Naquela época o Sarney era o presidente da República, e nós fomos para uma recepção no Palácio dos Leões. Me impressionou a simpatia dele e da esposa com os conterrâneos. Ele é de uma conversa, saiu cumprimentando um por um pelo nome. Nunca esqueci", lembra Maria Alice, que se apaixonou pela intensa comemoração do São João. "O povo montava barracas com comidas típicas, na rua de casa, para festejar com a vizinhança. O povo nordestino é muito hospitaleiro. Quando chegamos lá, uma vizinha, sem nos conhecer, fez a gentileza de nos levar uma garrafa de café para nos dar as boas-vindas. Guardamos esse tempo no Maranhão como férias maravilhosas", conclui ela.