Quando a placa com o número 14 subiu, aos 34 minutos do 1º tempo, o atacante Alex, 18, só teve tempo de pensar: "esta é a minha Copa do Mundo".
Ele não faria diferença no resultado. O Palmeiras já vencia a sua equipe, o Assu, do Rio Grande do Norte, por 4 a 0. O placar final seria 6 a 1. Os números pouco importavam. O que conta de verdade é se destacar.
"Eu vou fazer de tudo, cara. Não quero voltar para casa de mãos abanando. Vou conseguir. As pessoas precisam ver meu futebol", desabafou.
Leia mais:
Cássio e Corinthians podem ter reencontro na busca por conquista inédita
São Paulo prevê apresentar novo Morumbis até março de 2025
Flamengo não priorizou Brasileiro em 11 jogos que custaram sonho do título
Romero mira final da Sul-Americana para definir futuro no Corinthians
Enquanto esteve em campo, Alex correu sem parar. Apareceu mais no segundo tempo, quando o Assu aproveitou certo relaxamento do Palmeiras para ter a bola. Ele teve apenas uma chance para finalizar. Precipitou-se a mandou a bola para fora. Socou o gramado, com raiva.
Criado em 2002 em cidade do mesmo nome, a 220 km de Natal, o Assu (Associação Sportiva Sociedade Unida) é um microcosmo das equipes que tomam conta da primeira fase da Copa São Paulo de futebol júnior. São 128 no total, espalhadas em 32 grupos. Apenas os dois melhores de cada chave se classificam.
"Para os meninos que vêm de longe e têm o sonho de jogar futebol, a Copa São Paulo nunca pode acabar. É a única vitrine que eles têm. Para os clubes também é muito importante", analisa Ariel Souza Santos, coordenador e responsável pelo time no torneio.
Todo ano, elencos inteiros de jovens jogadores passam as festas de fim de ano na estrada para disputar a Copinha, que começa sempre nos primeiros dias de janeiro. A jornada do Assu durou três dias e, segundo jogadores e integrantes da comissão técnica, teve alguns sustos, especialmente nas estradas de Minas Gerais. Também dizem ter sido divertido.
Eles chegaram a Itu (interior de São Paulo), em 24 de dezembro. Ficaram Natal e Ano Novo longe das famílias.
"É tudo por um sonho. Nosso time é montado por meninos da região e, quando chegamos à final do estadual sub-20, o prêmio maior era a classificação para a Copa São Paulo. É uma chance também para nós, que estamos começando. Todos querem mostrar o que podem fazer. Temos potencial", avisa o técnico Raul Menezes.
O treinador tem 31 anos e gasta parte dos 90 minutos agachado à beira do campo, em posição consagrada pelo argentino Marcelo Bielsa em jogos do Leeds United na Premier League. O preparador físico, João Pedro, está com 24. A Copinha não vale muito apenas para os atletas.
Não à toa, as palavras mais usadas pelo Assu são "aparecer", "chance", "vitrine" e "mostrar".
O número de inscritos varia entre as equipes. O limite permitido pela Federação Paulista é 30. Isso significa que, no máximo, são 3.840 jovens atletas de até 21 anos que têm as mesmas expressões na cabeça e as repetem sem parar.
O caminho parece ser mais fácil para alguns deles. Endrick, 15, considerado uma das maiores promessas da base do Palmeiras, foi inscrito na Copinha, escalado como titular e fez dois gols contra o Assu. Poderia ter anotado mais, mas acabou substituído no intervalo.
O clube alviverde é o atual pentacampeão paulista sub-20 (de 2017 a 2021). No período, ganhou também o Brasileiro de 2018 e a Copa do Brasil de 2019 da categoria. O sub-17 venceu o estadual de 2018, a Copa do Brasil de 2017 e 2019 e os mundiais de 2018 e 2019.
No elenco da equipe há jogadores como Giovani, 17. O atacante já estreou no profissional, tem multa rescisória de 80 milhões de euros (R$ 517 milhões pela cotação atual) e despertou interesse do Manchester City (ING).
Ele e Endrick, que deverá assinar acordo profissional assim que completar 16 anos, são exceções no torneio. A maioria esmagadora joga contra as estatísticas. A Copinha representa a oportunidade de aparecer para milhares. Mas não é fácil.
"A gente passou Natal e Ano-Novo fora de casa, mas vale tudo isso porque é a busca do que sempre desejamos. Sou alto, tenho velocidade e bom passe. Eu acredito que é possível [se destacar]. Para nós, significa um bocado de coisas estar aqui. Os garotos sonham em jogar a Copa São Paulo e mostrar que são bons no que gostam de fazer, que é jogar futebol", diz o zagueiro Elisson Victor, 18.
Antes mesmo de começar a competição, ele já era o jogador mais conhecido do Assu. Na busca anual que a imprensa faz por nomes curiosos entre os inscritos, ele se destacou pelo apelido que usa no futebol: Pendências.
"Este é o nome da minha cidade, então começaram a me chamar desse jeito", explica.
Nos grandes clubes, os apelidos estão banidos nos últimos anos. Assessores e empresários acreditam que eles prejudicam as chances de garotos serem negociados no exterior. A realidade de Pendências é outra. Ele quer aparecer. Se for por causa do nome, que assim seja. Mas precisa ser com a bola também.
Quem conseguiu isso foi o volante DW (outro para mostrar que o Assu é bom de apelidos). Ele acertou o ângulo e anotou o gol do time potiguar. O Palmeiras vencia por 4 a 0, mas ele não quis saber de ter pressa para reiniciar a partida. Comemorou como se fosse Copa do Mundo.
"No Natal, eu liguei para a minha mãe e disse para ela não ficar triste porque eu não estava lá. Falei que tinha viajado em busca não do meu, mas do nosso sonho", lembra Alex, que terá mais dois jogos na fase de grupos para mostrar o que pode fazer: diante de Água Santa e Real Ariquemes.
O atacante veloz e brigador tenta recuperar o tempo que perdeu. Ficou um ano e meio longe do futebol porque, diz, teve as amizades erradas. Era destaque de uma equipe sub-20 da cidade de Santa Maria, apesar de ter apenas 16 anos. Desiludiu-se e parou com tudo. Começou a beber. Vendeu drogas para ganhar dinheiro. Foi no Assu, em 2021, que se reencontrou com o futebol.
Alex tentou absorver as palavras que Raul disse no vestiário, antes de entrar em campo: o Palmeiras era favorito. A chance maior era de o Assu perder. Mas eles poderiam ir bem em campo, ficarem bem posicionados e incomodarem o adversário. Por que não? Isso poderia mostrar que a equipe tinha bons jogadores, meninos que merecem ser vistos.
Ele confessa que, ao ouvir coisas assim, tem esperança, mas pensa também na família. Na mãe, Sonia Maria, que depende de programas assistenciais do governo federal. Dos nove irmãos, nenhum outro com talento para o futebol. Lembra-se do pai e os problemas de alcoolismo.
"Meu pai é alcoólatra. Teve um dia em que eu cheguei de um treino. Vinha de Natal e estava bem cansado. Vi uma pessoa deitada na rua, caída. Não prestei atenção. Mas quando cheguei perto, percebi que era meu pai. Fiquei sem chão. Comecei a chorar", relembra.
Por isso que a Copinha ganha o diminutivo apenas para quem está fora dela. Para milhares de garotos, é muito mais do que isso. E qualquer jogada pode fazer a diferença.
"Água Santa, contrata esse 10! Ele é bom de bola!", gritou um torcedor na Arena Inamar, casa do clube paulista que vai jogar na elite estadual em 2022, ao ver o armador do Assu enfileirar três palmeirenses e fazer um lançamento.
Bobby, o camisa 10, pareceu ter ouvido o elogio. Começou a sorrir.