Ninguém deve dizer a Ketlen Wiggers, 28, que destino não existe. Sua avó Dozolina, que nunca saiu de Rio Fortuna, no interior de Santa Catarina, sintonizava o rádio para escutar os jogos do Santos nos anos 1960, época em que Pelé vestia a camisa 10.
Quando a jogadora fez o 100º gol pelo time, no último dia 13, sobre o Minas Icesp, na Arena Barueri, foi na avó que pensou. Maior artilheira da história da equipe apelidada de Sereias da Vila, Ketlen nunca conheceu Dozolina, morta antes de ela nascer.
"Minha mãe me contou várias vezes o quanto a vó era santista. Sempre ouvia as partidas. Não foi só neste 100º gol, mas toda vez que entro em campo olho para a arquibancada e penso no quanto gostaria que ela visse a neta vestindo a camisa do Santos", diz.
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Por causa do recorde, Ketlen foi homenageada pela diretoria. Recebeu do atacante Marinho, do elenco masculino, uma camisa com o número cem nas costas. Também ouviu o pedido de um dirigente para que a próxima meta seja atingir 150 gols.
Neste domingo (27), ela fez outros dois e ajudou o Santos a golear a Ponte Preta por 6 a 0.
Pode ser difícil chegar à marca dos 150, mas a goleadora reconhece ter ido mais longe do que sonhou quando entrava na adolescência e gostava de jogar bola.
Tudo mudou no dia em que Rosiléia, sua mãe, entrou em casa com uma edição da revista Época. Um dos seus irmãos jogou a publicação sobre a mesa, e a revista caiu aberta em uma página com reportagem sobre a equipe feminina do Santos. A garota de 14 anos leu o texto fascinada.
Rosiléia percebeu que o sonho da filha era o futebol. Conseguiu falar com Kleiton Lima, técnico da modalidade no Santos, e ele convidou a garota para um teste em janeiro de 2007. Ketlen foi aprovada.
"No começo foi muito difícil. Eu queria desistir. Nunca tinha saído de Rio Fortuna, que tem 4.000 habitantes."
A partir do teste, começou carreira na Vila Belmiro em que conquistou, entre outros títulos, a Liga Nacional de 2007, a Copa do Brasil de 2008, a Libertadores de 2009 e o Brasileiro de 2017.
O primeiro dos cem gols aconteceu aos 15 anos. Ketlen é a segunda atleta mais jovem da história do Santos, masculino e feminino, a marcar no time profissional. Está só atrás de Coutinho, um dos jogadores que dona Dozolina escutava no rádio de pilha.
"Estava ainda em adaptação e não tinha muitas chances. Jogava pouco porque o grupo era muito forte, mas, no dia daquela partida em São José dos Campos, várias jogadoras estavam na seleção e eu entrei. Ninguém acreditou quando fiz o gol. Nem eu."
Foi naquele momento em que a garota começou a aceitar a nova vida. As ligações para a mãe e para o pai Vilmar já não eram mais chorosas e com pedidos para voltar. Ela era uma espécie de mascote do elenco, a mais jovem, a que todas tentavam ajudar.
Sua união com o Santos deu tão certo que conseguiu jogar ao lado de Marta, seis vezes eleita melhor do mundo. A craque da seleção brasileira foi contratada pelo clube em 2009. Era uma admiração tão grande que a menina, então com 17 anos, queria conversar, pedir conselhos, mas abria a boca e não saía nada.
"Jogar com a Marta foi incrível. Eu ficava sem graça de chegar perto dela porque sempre fui muito fã. Acho que ela percebeu porque teve um momento em que chegou perto de mim e disse 'pode falar comigo, viu? Não precisa ficar com vergonha'". Ketlen se diverte hoje em dia com a história, embora na época ela reconhece ter ficado tão vermelha quanto a cor do seu cabelo.
O tempo fez a roda girar. Hoje é a goleadora quem desempenha o papel de exemplo para as mais novas ou recém-chegadas no elenco. Nunca questionou ninguém sobre o assunto, mas talvez existam colegas mais jovens que fiquem sem jeito para falar com a atacante que é referência do time. que está em segundo na classificação do Brasileiro deste ano, com 27 pontos, atrás do Corinthians.
Antes ela copiava o que as jogadoras mais velhas faziam. Hoje percebe ser copiada.
Era possível pensar que Ketlen poderia fazer toda a carreira no Santos. A única outra camisa que vestiria seria a da seleção. Isso não aconteceu, e a culpa foi do clube. Em 2011, a equipe feminina foi desativada, e Ketlen teve de sair.
Atuou na Suécia, nos Estados Unidos, no Bangu, no Centro Olímpico e no Vitória de Santo Antão, em Pernambuco.
Isso até saber que o Santos reativaria o time em 2015. Fez de tudo para voltar.
"Eu estava nos EUA e quando recebi proposta para retornar, larguei tudo. Tinha de voltar. Não havia nem discussão."
Ketlen ocupa o 5º lugar na lista dos maiores artilheiros do time após a era Pelé (iniciada em 1973). Está a um gol de João Paulo, na 4ª posição. A meta dela na temporada é chegar a Robinho (111 gols). O principal goleador do clube no período é Neymar, com 138.
Se chegar aos 150, como foi desafiada por um diretor, estará a apenas um de Tite, o 10º maior artilheiro de toda a história do Santos. Por que não?
"São metas e títulos em campo que quero conquistar. Não só por mim, mas pelo time. O futebol feminino evoluiu muito desde a minha chegada no Santos", diz. "Há visibilidade, mas eu creio ser preciso mais gente que tenha amor à modalidade e isso inclui as marcas que patrocinam", afirma.