Toda arte é fruto de seu tempo e contexto, muitas vezes sendo um reflexo dela. Nesse pensamento, o novo filme de Paul Thomas Anderson, “Uma Batalha Após a Outra”, é um tiro certeiro. Com um roteiro que, segundo o próprio autor, levou 20 anos para chegar às telonas, o resultado final é uma conversa direta entre cinema e a realidade.
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Em uma trama de ação não convencional, o roteiro de Anderson trabalha a consequência dos atos de seus personagens de maneira madura. A violência da obra não está nas armas de fogo ou em combates diretos - como normalmente encaramos num longa de ação -, está nas narrativas e nos limites que o ser humano se coloca, como os extremos de uma ideologia. Claro, o filme não é constituído somente de diálogos. Armas ainda são disparadas e pessoas são assassinadas - como qualquer outro longa que tenha como gênero a ação.
O trunfo da produção está na abordagem do roteiro, que escancara a dominação silenciosa que ocorre quando líderes manipulam, expulsam e matam aqueles que consideram inferior - sem medo de ser quem são: racistas e preconceituosos, quando tiram suas máscaras em suas reuniões secretas. A diferença é que, na realidade, essas opiniões não se escondem tanto em salas ocultas.
Além de uma análise geral sobre a sociedade moderna, a obra de Anderson é também um retrato intimista sobre o reconhecimento da paternidade, com Bob (personagem de Leonardo DiCaprio) em uma jornada para encontrar - geográfica e emocionalmente - a sua filha, interpretada pela novata Chase Infiniti. Também genitor, Anderson adicionou esse conflito e a dualidade entre pai e filha como seu toque pessoal à obra.
As duas horas e quarenta e um minutos não deixam dúvidas de que esse é um longa-metragem, e isso cobra um pouco do resultado final da obra. Jamais será apenas pelo fato de um filme ser longo que a qualidade dele será questionada, porém, quando não há mais fatos que somem à trama, a extensão acaba se tornando algo maçante.
Outro ponto marcante está na música que embala todo esse tempo investido em “Uma Batalha Após a Outra”. A trilha original do longa é assinada pelo guitarrista do Radiohead Jonny Greenwood, que continua sua sequência de colaborações com Anderson - seis, no total. Com altos e baixos, as músicas são potentes e marcantes em momentos-chave da trama e repetitiva e irritante em outras - acredito que propositalmente, para representar o sentimento de confusão que o personagem de DiCaprio vivencia.
Com múltiplas camadas e aberto a diferentes interpretações, Anderson entrega um filme autoral e recheado de sentido, que permite ao público não só refletir sua trama, mas o rumo que nossa sociedade tem tomado nos últimos anos. Mesmo não sendo um filme perfeito, os pontos de crítica do longa são subjetivos, o debate técnico e filosófico que ele proporciona é um trunfo que faz a compra do ingresso e a conversa depois da sessão valer cada centavo gasto.
*Supervisão: Guto Rocha - editor Portal Bonde