Existem obras que possuem uma metalinguagem tão profunda e bem elaborada que nos fazem olhar para elas como “fora da caixa”, seja por sua narrativa ou pelos seus bastidores. O caso do novo filme da franquia Tron se relaciona ao último, com um roteiro que - assim como o protagonista - parece ser obra integral de um prompt de IA (Inteligência Artificial).
Criado em uma época onde a tecnologia computacional ainda engatinhava, “Tron: Uma Odisseia Eletrônica” (1982) reflete a visão de uma sociedade que ainda desconhecia o digital e questionava-se “como será que é estar dentro de uma máquina?”. Hoje em dia, com aparelhos intuitivos e conexão integral ao ambiente digital, a familiarização com conceitos e a relação com a tecnologia é consideravelmente superior ao de 23 anos atrás. Criando um desafio para a produção que deseja resgatar essa visão dos anos 80 sobre a tecnologia e mesclá-la com a realidade hiperconectada atual.
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Dito isso, ao abordar um tema como o da IA (Inteligência Artificial), espera-se que a base seja sólida e aprofunde o dilema da máquina que ganha consciência de forma muito mais elaborada do que a escassez criativa apresentada neste longa faz. Seria incoerente em uma análise requisitar de uma obra uma profundidade dramática que nem mesmo seus anteriores construíram. Porém, diferente do filme de 1982 e a ótima sequência de 2010, a versão de 2025 protagonizada por Jared Leto é fria e robótica - no sentido negativo.
A forma como a narrativa vai se desenvolvendo e com ela seus personagens, nos faz questionar quantos humanos havia na sala de roteiristas. Em diversos momentos, as consequências trabalhadas pareciam mais uma resposta de uma máquina ao que ela acreditava ser o plausível - após analisar um extenso banco de dados cinematográficos. Algo que um simples olhar humano descartaria com um “isso não faz sentido”.
Saindo um pouco das críticas para alguns elogios - protegendo este autor da perseguição de uma futura Skynet -, o filme “Tron: Ares” é visualmente deslumbrante e a integração dos “programas” e seus veículos no mundo real é totalmente crível e lindo. O rastro vermelho de neon das motos no trânsito noturno é um deleite visual.
Experiência sonora e rítmica
Outro fator marcante da franquia, principalmente após “Tron: O Legado” (2010), está em sua trilha sonora. O longa de 2010 foi produzido musicalmente pela dupla eletrônica francesa Daft Punk, uma colaboração que criou apenas uma das melhores soundtrack do cinema - para muitos o longa é mais um gigantesco clipe da dupla do que, necessariamente, um filme. Agora, após a aposentadoria da dupla em 2021, a Disney apostou suas fichas na banda de rock industrial NIN (Nine Inch Nails) para seguir com o legado deixado, oferecendo uma oportunidade de ouro ao grupo. A banda deu valor e soube aproveitar a oportunidade, entregando uma experiência sonora e rítmica muito envolvente, dando uma dose de energia extra e, em muitos momentos, parecendo ser um dos únicos pontos de vitalidade do filme.
O diagnóstico final de “Tron: Ares” é aberto à duas interpretações. Caso ele tenha sido pensado por humanos que, conscientemente, concluíram que as decisões e o desenvolvimento de seus personagens estavam satisfatórios, é triste. Mas, se ele foi pensado para ser uma narrativa metalinguística onde uma IA construiu uma história sobre outra IA ganhando consciência, entendendo o conceito de empatia e a mortalidade como algo especial, isso é algo mastreal e histórico. É uma pena que a resposta para essa pergunta todos sabemos qual é.
Onde assistir
O Portal Bonde assistiu ao filme em uma exibição de pré-estreia exclusiva a convite do Cine Araújo na última quarta-feira (8). O longa, lançado oficialmente na quinta-feira (9), já está em cartaz neste e em todos os principais cinemas de Londrina. Com diversas opções de aúdio - original com legendas e dublado -, horários ou formatos, não faltam formas de se conferir essa obra em uma tela grande.
Desconsiderando o dilema da IA e a fragilidade no roteiro, "Tron: Ares" vale a compra do ingresso para aqueles que desejam contemplar um espetáculo visual e sonoro, um ótimo clipe musical com cenas grandiosas.
*Supervisão: Guto Rocha - Editor do Portal Bonde