Num galpão em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, Camila Pitanga e Camila Queiroz se preparam em camarins antes de ir para a frente das câmeras. Elas protagonizam "Beleza Fatal", primeira novela brasileira feita pela plataforma de streaming Max, que se chamava HBO Max.
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No Rio de Janeiro, o serviço também grava "Dona Beja", remake do folhetim da TV Manchete feito em 1986. Uma cidade cenográfica com construções do início dos anos 1800 foi erguida num terreno vazio, onde Grazi Massafera e Bianca Bin, com roupas de época, contracenam.
E a Max não está sozinha na empreitada. A Netflix, que evita o termo novela, está produzindo o que chama de séries de melodrama, como "Pedaço de Mim", com Juliana Paes. A aposta no formato é uma forma de tentar se comunicar com a massa, afirma Camila Pitanga, que assinou contrato com a Max para trabalhar não só como atriz, mas também como produtora.
Pitanga, que deixou a Globo há três anos, vê o avanço do mercado com bons olhos. "O streaming não tem amarras de publicidade, de horário, de público. A novela está ali para quem quiser dar o play", diz. Fernando Medín, presidente do braço latino-americano da Warner Bros. Discovery, que controla a Max, faz coro. "Se a gente quer chegar a todos os estratos da sociedade, precisamos de todo tipo de conteúdo."
As empresas, que têm suas matrizes nos Estados Unidos, fazem alterações profundas na linguagem do folhetim, que estão sendo filmados integralmente antes de estrearem, diferente do esquema de produção da Globo, que faz pesquisas com o público e muda a trama conforme a reação da audiência.
Outra mudança é o tamanho das produções. As da Max terão 40 capítulos, um quarto do que uma novela padrão da Globo. A Netflix reduziu ainda mais o tamanho, fazendo 18 episódios para "Pedaço de Mim". "Nossa marca é lançar vários capítulos ao mesmo tempo, então escolhemos obras mais curtas. Vemos como minisséries", diz Elisabetta Zenatti, vice-presidente de conteúdo da Netflix no Brasil.
Maria de Médicis, diretora de "Beleza Fatal", que trabalhou na Globo por 29 anos, diz estar "muito mais feliz e criativa". "Não tenho mais tanta pressão externa. Hoje trabalho com textos mais consistentes porque são menores, não tem enrolação, como acontece numa novela tradicional."
Mas esquema de produção diferente impõe também novos desafios. Prova disso é que "Dona Beja" sofre com atrasos e insatisfação de parte de seu elenco, que se irrita com a extensão dos contratos e incertezas em relação ao produto final.
"É difícil", diz Grazi Massafera, que interpreta a protagonista, no set de filmagens. "Temos uma equipe de novela junto com uma equipe de cinema. Há uma direção que precisa coordenar tudo, e uma produtora que nunca fez isso. Temos estrutura, mas às vezes falta organização."
Grazi não esconde que teme o resultado de "Dona Beja" e diz sentir agonia por ainda não ter visto como as cenas estão sendo editadas. "É exigido que as coisas fluam rápido porque tempo é dinheiro. Até tudo se organizar, é natural que existam ruídos. Está todo mundo aprendendo a fazer novela aqui."
Em nota, a Warner Bros. Discovery afirmou que "o fluxo de gravações foi ajustado naturalmente" e que "elenco e equipe passaram por um período de adaptação para se conhecerem melhor e buscarem as dinâmicas ideais para o set".
Na trama, Beja é raptada ainda jovem pelo avô para servir ao ouvidor do rei português. Depois de se libertar, ela volta ao Brasil e abre uma espécie de bordel, onde se prostitui. Sua amiga mais próxima é Severina, personagem transgênero interpretada por Pedro Fasanaro, que é uma pessoa não binária.
Apesar disso, Fasanaro recusa a ideia de que haja um avanço na representatividade trans. "A gente consegue contar nos dedos a quantidade de personagens trans da dramaturgia, e ainda estamos contando histórias muito semelhantes."
Outra mudança em relação ao folhetim tradicional é a liberdade para ousar mais, como a Globo ensaiou fazer ao lançar "Verdades Secretas" e "Todas as Flores" primeiro no streaming, no Globoplay. "Dona Beja" terá cerca de 80 cenas de sexo, segundo a coordenadora de intimidades Roberta Serrado, que supervisiona essas gravações.
"O streaming dá liberdade. Se você assiste algo que te incomoda, é só pausar e deixar de assistir", diz Serrado. "A gente não quis deixar o sexo pelo sexo. É o sexo pela dramaturgia."
"Beleza Fatal", por sua vez, quer seduzir o público que gosta de suspense. No centro da história está Lola, vivida por Pitanga, que faz uma série de falcatruas na tentativa de enriquecer e abrir uma clínica de estética.
Sua algoz é Sofia, papel de Camila Queiroz, que decide se vingar da mulher após ver sua mãe sofrer nas mãos dela. A promessa é a de que a mocinha também tenha índole duvidosa, traço recorrente nas histórias de Raphael Montes, autor de "Bom Dia, Verônica" e "Uma Família Feliz".
Nenhuma das duas novelas da Max tem data de lançamento definida. "Estamos inaugurando o formato aqui. Na Globo, os funcionários têm uma expertise de dezenas de anos. A estrutura deles, muito bem-feita, é nossa referência", diz Queiroz. "A concorrência é fundamental, porque o mercado aquece. Mas não vamos ditar regra. Pode ser que depois a gente pense em ajustar alguma coisa."
O repórter viajou ao Rio a convite da Max