A Netflix passa a oferecer, a partir desta terça-feira, games para seus assinantes em todo o mundo. Os jogos poderão ser rodados em aparelhos Android -smartphones e tablets. São cinco títulos -"Stranger Things: 1984", "Stranger Things 3: The Game", "Card Blast", "Shooting Hoops" e "Teeter Up".
Não é segredo que a Netflix quer dar passos cada vez mais largos em direção ao mundo dos games. A empresa já deu o recado pelo menos duas vezes, em cartas recentes aos seus acionistas, em julho e outubro deste ano. E essa decisão vem com um leve tempero brasileiro.
A empresa de streaming acaba de lançar, há uma semana, "Kate: Collateral Damage", game desenvolvido por um estúdio de Manaus, baseado em uma das produções originais da plataforma, "Kate", filme com Mary Elizabeth Winstead, que encarna uma assassina que quer se vingar da Yakuza, a máfia japonesa.
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"Foi pura sorte mesmo", diz Joel Hamon, produtor do Ludic Studios, estúdio amazonense fundado em 2015, então com uma equipe de três pessoas -hoje, são sete. A sorte veio após o pequeno estúdio ter lançado em 2018 um jogo simples, "Akane", que fez mais sucesso do que os criadores esperavam –segundo Hamon, foram 150 mil cópias vendidas no mundo inteiro, para PC e Switch, a maioria delas nos Estados Unidos e no Japão.
"Akane" é um jogo de sobrevivência, em que o jogador tem de se defender de um sem-número de bandidos da Yakuza, numa Tóquio em pixel art, sombria e repleta de letreiros em neon. O sucesso mundial do jogo brasileiro acabou chamando a atenção de um produtor da Netflix.
Hamon conta que, no final do ano passado, ele e equipe receberam um inesperado email do gigante do streaming. O autor da mensagem dizia que tinha gostado muito de "Akane". "A gente achou estranho de início, mas fomos respondendo os emails, marcando reuniões. Era um produtor de jogos da Netflix. Eles estavam começando com essa iniciativa de jogos, [o produtor] já tinha trabalhado no [game baseado na série] 'Stranger Things'."
O tal produtor americano havia jogado "Akane" e sondava com os amazonenses se eles conseguiriam criar um novo game, de jogabilidade e estilo semelhantes, só que baseado na propriedade intelectual do filme original da Netflix.
O jogo "Kate", lançado na semana passada, está disponível só na plataforma Steam, e não na Netflix. Procurada, a empresa de streaming afirma que "Kate" não fará parte do catálogo de games de sua plataforma. Isso faz sentido uma vez que a Netflix tem dado sinais de que prepara o bote em direção aos games com pelo menos duas estratégias diferentes.
A primeira é a de disponibilizar jogos mais leves aos assinantes na plataforma, sem custo extra. Enquanto isso, a empresa parece ambicionar o desenvolvimento de jogos mais robustos. Prova disso é a recente compra, em setembro, do estúdio Night School, conhecido pelo jogo "Oxenfree".
"A gente tem conversado com a Netflix, mas por enquanto ['Kate'] é só na Steam mesmo", diz Hamon. "Como estão querendo investir nessa parte de mobile dentro da plataforma deles, a gente está conversando para ver se existe a possibilidade de fazer com a 'Kate' também."
"Kate: Collateral Damage" tem um visual semelhante ao de outro jogo original da empresa de streaming, "Stranger Things 3", que, assim como o game brasileiro, foi incialmente lançado fora da plataforma da Netflix, em 2019. O jogo, porém, foi retirado das plataformas em que podia ser encontrado, a Steam e o GOG, no final agosto de 2021. Na mesma semana, o mesmo jogo foi disponibilizado para os usuários da Netflix na Polônia, para ser jogado em Android.
No fim de setembro a Netflix lançou cinco títulos de jogos para dispositivos móveis em alguns mercados europeus. E agora, em novembro, eles chegam aos assinantes do resto do mundo.
A Netflix afirma, em carta para seus investidores, que "esta iniciativa [de games] ainda está em seus estágios iniciais e, como outras categorias de conteúdo para as quais expandimos, planejamos experimentar diferentes tipos de jogos, aprender com nossos usuários e melhorar nossa biblioteca de jogos", afirma a empresa no documento de outubro.
Essa experimentação, que parece lançar um olhar sobre jogos de gráficos de complexidade média, pode encontrar terra fértil no Brasil -o mercado produtor daqui demonstra já ter maturidade para produzir jogos de qualidade nessa seara.
"Quando a gente trabalha com entretenimento, está todo mundo competindo pela mesma coisa, o tempo livre das pessoas. Por isso eu considero natural que gigantes de um mercado comecem a se aventurar em outro -no caso, indo do streaming para games", diz Paulo Luis Santos, diretor-geral da Flux Games, estúdio brasileiro que desenvolveu a versão em jogo da série "Cobra Kai", baseada no clássico "Karatê Kid".
Apesar de estar disponível na biblioteca da Netflix, a série não é uma produção original da empresa. Por isso, esse game não faz parte da investida do gigante do streaming no mundo dos jogos.
"Existia aquele estigma de que jogo [baseado em] filme é tudo ruim. Só que eu penso que a gente está no movimento contrário hoje em dia", diz Santos -eles foram contratados por uma publicadora americana após terem vencido uma concorrência, competindo com gente do mundo inteiro.
Para quem produz games, diz Santos, fazer um jogo a partir de uma propriedade intelectual já pronta e bem estabelecida, como "Karatê Kid", traz mais segurança, porque permite surfar na base de fãs já existente.
Mas, se essa possível onda de games encomendados por plataformas como a Netflix pode ser benéfica para os desenvolvedores nacionais, ela não atinge só o Brasil. "É uma tendência que os estúdios brasileiro podem aproveitar, sim, mas assim como qualquer estúdio do mundo", diz Santos. "A concorrência é global."