O QG do RZO continua o mesmo de sempre. Foi justamente ali, no puxadinho remendado de um extenso sobrado na região de Pirituba, na zona oeste de São Paulo, que a história de um dos grupos mais importantes do rap nacional começou a ser rascunhada. Se os tijolos sem reboco da parede falassem, certamente, diriam que dentro daquele singelo espaço, Helião, Sandrão e DJ Cia escreveram letras contundentes que marcaram para sempre a trajetória de muitos adolescentes que moram na periferia de São Paulo. Habituados a ficar à margem da sociedade, esses jovens, pela primeira vez, se tornaram protagonistas. Eles sentiram o sabor de suas glórias e seus fracassos expostos nas composições do RZO (Rapaziada da Zona Oeste).
Depois de 14 anos sem lançar um disco de inéditas, o RZO volta à ativa de forma monumental. Em Quem Tá no Jogo, o jovem, mais uma vez, vira o personagem principal da trama. Desta vez, entretanto, eles expõem como enxergam o mundo e seus inúmeros problemas. "O jovem de hoje em dia é completamente diferente do de 20 anos atrás. Ele é muito antenado. A informação vem com mais velocidade. Apesar disso, muita coisa não chega até ele. Há certas coisas que não são interessantes para quem está na parte mais alta da pirâmide. Nossa função, portanto, também está atrelada a esse fator. É por isso que fazemos rap. Nós cantamos para essa molecada", diz Helião em entrevista ao Estado. Quem Tá no Jogo, que tem 19 composições, conta com as participações especiais de Negra Li, Criolo e Rael.
O retorno do RZO não poderia ser mais impactante. No recém-lançado disco, as composições externam maturidade. Fundado na década de 1980, na periferia da zona oeste de São Paulo, o RZO mostra no novo trabalho o quanto o grupo mudou sua sonoridade desde Todos São Manos (1999), primeiro álbum de estúdio do conjunto. Se o som do RZO está mais encorpado, com arranjos e beats pomposos, o discurso contundente dos rapazes continua intacto. Músicas como Revolta dos Humildes, Lado Negro da Força e Corrida são exemplos do vocabulário extenso do quinteto, que além de Helião, Sandrão e DJ Cia, conta também com Calado e Nego Jam. "Lembro que quando começamos a formar o rap por aqui, a galera de outros movimentos tirava uma com a nossa cara. Eles falavam que não ia dar certo, que não entendíamos nada de música. No fundo, sabíamos que a coisa iria vingar. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, por exemplo. Hoje, vemos o rap mais forte do que nunca. Isso enche a gente de orgulho", diz ainda Helião.
O RZO decretou o fim da banda em 2004. Depois de 10 anos afastados, os integrantes anunciaram o retorno do grupo em 2014. De lá para cá, fizeram um show emblemático na Virada Cultural daquele ano, mas nenhum disco ou novo projeto saiu do papel. Isso só veio à tona em 2017, quando o momento político do País entrou em ebulição, segundo os próprios integrantes. "Muitas das composições desse álbum tiveram relação direta com a política. Não tem jeito, acaba influenciando", revela DJ Cia.
Antes de o CD chegar às plataformas de streaming na última semana, os rappers já haviam lançado dois videoclipes na internet para divulgar o mais recente trabalho. Jovens à Frente do Tempo e Paz em Meio ao Caos foram bem recebidas pelo público e atingiram a marca de 1 milhão de visualizações no canal do RZO no YouTube.
Negra Li, que já integrou a Rapaziada da Zona Oeste (RZO) desde o álbum Todos São Manos, faz uma participação especial no single Destinos. Ela também estará em alguns shows da nova turnê. MC Calado e Negra Li fizeram escola com o RZO e se tornaram membros oficiais do grupo, ao lado de Helião, Sandrão e DJ Cia. Juntos lançaram quatro discos. O primeiro, O Trem (1996), emplacou o hit O Rap do Trem, uma denúncia do precário sistema ferroviário que serve a periferia. Vale ressaltar que a Rapaziada da Zona Oeste ajudou a revelar outros grandes nomes, como o rapper Sabotage, descoberto em encontros do grupo.
No fim do ano passado, o RZO lançou a canção Neural, que tem coautoria do próprio Sabotage, morto em janeiro de 2003, aos 29 anos. Segundo o Spotify, este foi o primeiro rap do mundo que combinou inteligência artificial e a criação humana. Uma rede neural idealizada pela empresa brasileira Kunumi gerou novas rimas, após análise das letras e manuscritos deixados por Sabotage.
Neural contou ainda com participação de Negra Li, de familiares do Maestro do Canão e do produtor Tejo Damasceno, do Instituto. "Foi bacana demais desenvolver esse projeto. Acho que, de alguma forma, sentimos que Sabotage estava com a gente", afirma DJ Cia.