Enganchado entre a orelha, o cabelo e o boné que Emicida não tira nem que peçam com jeitinho, o galhinho de arruda tem a função de proteger, crê o rapper, das energias negativas que são enviadas em sua direção. "Não sei o que elas fazem, mas era com a arruda que as nega véia benziam a gente", diz ele, em um estúdio. A superstição, explica, funciona muito bem, principalmente nas vésperas dos desfiles no São Paulo Fashion Week da marca Lab Fantasma - um dos muitos braços de atuação do rapper e seu escritório, que não se prende mais ao universo fonográfico. "As arrudas que eu tinha em casa ficaram todas amareladas."
A banda, na outra sala do estúdio, já faz o barulho transpor o forro acústico e as duas portas que separavam a entrevista e o local do ensaio. "O pessoal da percussão já chegou", nota Emicida. "Estamos ensaiando há um mês e meio. É pouco", ele diz, com ar preocupado. "Mas é uma banda que está junta há algum tempo. Vai dar certo."
Emicida está ansioso para subir ao palco da Audio nesta segunda-feira (20), o Dia da Consciência da Negra, para registrar o seu primeiro show em um DVD. "Teremos algumas músicas inéditas", diz ele, sem dar muitos detalhes sobre as novas músicas exibidas no palco amanhã. Registrar uma apresentação é oficializar o que o mercado ilegal já tem há tempos.
"Pô, os camelôs já têm quatro DVDs diferentes do Emicida!", ele ri, coloca as mãos nos olhos. "E você sabe da história de que um deles [os DVDs ilegais] tem o rosto do Fióti e não o meu?" Fióti é o irmão de Emicida, empresário e, agora, também cantor. "Sempre falei que o Fióti tem cara de artista. Eu tenho cara de graxa. Não importa onde eu estiver no mundo, o pessoal não vai achar que sou gringo, falar inglês ou falar comigo. Eles vão lá e entregam uma caixa pesada para mim e dizem: ‘deixa lá num canto para mim, por favor?’. Falando sério, era interessante fazer um DVD 100% nosso, da Lab Fantasma."
O rap passa por uma nova ebulição e ela nasce diretamente por Emicida, sua turma e a geração do fim da década passada - nascidos no caminho aberto por Racionais MC’s, Thaíde, Sabotage. Há quase dez anos, lançaram "Triunfo", uma música que, se destrinchada, apresentava o plano estratégico que viria a se tornar a Lab Fantasma. Emicida, eloquente, bom de retórica e de papo solto, foi capaz de saltar do underground, pingar nas rádios até se tornar o nome mais popular do gênero no País. Hoje, grava com Vanessa da Mata (em "Passarinhos"), Caetano Veloso ("Baiana") e Pitty ("Hoje Cedo"). É tudo questão das leis de causas e consequências. No presente, no hoje, o rap ocupa o espaço de resistência que já foi da MPB e do rock. Diz, em uma rima, mais do que mais três minutos de canção com guitarras ou violão. A safra de 2017 de discos nacionais tem nível altíssimo e inclui Baco Exu do Blues ("Esú"), Matéria Prima ("2Atos"), Djonga ("Heresia"), Don L ("Roteiro pra Aïnouz, Vol. 3"), Nill ("Regina"), Rincon Sapiência ("Galanga Livre"), Rimas & Melodias (homônimo).
Lançar um DVD, agora, é importante para Emicida celebrar o caminho pelo qual percorreu. Das rinhas de rima, quando Leandro Roque de Oliveira, moleque franzino, passou a derrotar veteranos. Era um jovem MC. Virou Emicida.
O DVD, "10 Anos de Triunfo", previsto para sair em 2018, registra o hoje. As participações são muitas, incluem os parceiros de longa data, como Rael (companhia em "Levanta e Anda", música que abriu o caminho para Emicida nas rádios), Rashid, Karol Conká, Drik Barbosa, Guimê, Prettos, Muzzike, Amiri, Raphão Alaafin, os já citados Caetano, Pitty e Vanessa da Mata. E o jovem Coruja BC1, aposta de Emicida e da Lab Fantasma. Serão dias de arrudas amareladas, certamente. "Mas, uma semana depois, elas já estão verdinhas de novo."