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Videogames trocam atores, designers e até os jogadores por inteligência artificial

19 abr 2021 às 16:07

Jogos de videogame com orçamento milionário em geral têm dezenas de horas de diálogos. Depois das gravações das falas, qualquer mudança implica um efeito dominó, mobilizando elenco, técnicos e programadores.


Não para a Obsidian. Nesse estúdio, responsável pelo RPG futurista "The Outer Worlds", basta clicar com o botão direito do mouse que a leitura do texto seja feito com a voz e a entonação do ator original, uma das mudanças trazidas pela inteligência artificial, ou IA, na criação de games.


A ferramenta é da startup britânica Sonantic, fundada há dois anos. Segundo Zeena Qureshi, CEO da empresa, o programa aprende a simular a fala de uma pessoa em um prazo de até três horas.


Depois de treinado, o computador narra qualquer texto com aquela voz original, podendo mudar timbre, altura, intensidade e emoção. "Por enquanto, a ferramenta só funciona em inglês, mas no futuro próximo será possível fazer a tradução dos jogos usando as vozes do elenco nativo", diz Qureshi.


Além da Obsidian, que é parte da Xbox Game Studios desde 2018, a Sonantic atende estúdios como Sumo Digital, responsável por "Sackboy: Uma Grande Aventura", ou Splash Damage, de "Outcasters", entre outros.


"Usamos essa tecnologia apenas para prototipagem rápida, mas não temos planos de substituir atores reais", afirma Justin Bell, diretor de áudio da Obsidian. "Não é possível substituir as nuances e emoções humanas."


Já Qureshi afirma que neste ano serão lançados jogos com dublagem de IA na versão que chegará ao público –ela diz não poder revelar quais são eles por questões contratuais.


A tecnologia ganha terreno nos videogames, mas não é desconhecida dos jogos em geral. Antes mesmo dos termos "videogame" e "inteligência artificial" serem cunhados, já havia experimentos de aparelhos que jogavam xadrez, damas, jogo da velha, entre outros.


No videogame, que teve sua distribuição comercial iniciada nos anos 1970, a inteligência artificial assume um papel reativo. Por exemplo, quando o Pac-Man está no canto do labirinto, o fantasma inimigo o persegue. Isso é uma amostra rudimentar de comportamento de IA.


À medida que software e hardware evoluem, essas ordens ficam mais complexas. Então, digamos, se o Pac-Man estiver no canto do labirinto, o fantasma inimigo o persegue, exceto se estiver sob efeito da pastilha, e nesse caso o fantasma foge.


Essas regras implementadas por humanos evoluíram a ponto de parecer que Trico, a besta fantástica gigante de "The Last Guardian", desenvolve um vínculo de amizade com o personagem do jogador. Ele reage a afagos, comida, entre outras ações.


"Essa inteligência artificial que rege o comportamento dos personagens a gente até já esqueceu que existe", diz Alexandre Ziebert, gerente técnico para a América Latina da fabricante de placas gráficas Nvidia. "O conceito moderno é baseado em machine learning, ou aprendizado de máquina, com criações feitas pela própria máquina."


Para o aniversário de 40 anos do lançamento de "Pac-Man", a NVidia mostrou no ano passado 50 mil partidas do come-come a uma máquina. Sem acesso ao código do jogo, a máquina conseguiu recriar o game.


O marco com o Pac-Man foi uma faceta visível do trabalho que a inteligência artificial faz nos bastidores dos jogos. Placas gráficas de ponta usam dessa tecnologia para driblar o trabalho de processamento bruto. O chip renderiza em baixa resolução, enquanto um núcleo de IA aprende a complementar a imagem exibida ao jogador em resolução aprimorada.


"Hoje dispomos de ferramentas em que a inteligência artificial aprende a criar texturas após ver fotos", afirma Ziebert, tirando assim funções que antes eram feitas por artistas e designers.


O futuro aponta para um aumento da autonomia dos aparelhos no desenvolvimento. Hoje, na prática, há uma simbiose do trabalho de máquinas inteligentes e humanos. A Eletronic Arts, ou EA, responsável por alguns dos jogos de esporte mais populares, dá algumas capturas de movimento de atletas e atores para a máquina complementar o serviço.


"Eu posso trazer atores para matar a bola na coxa em várias posições diferentes, mas não é possível cobrir todas as situações", diz Gilliard Lopes, game designer à frente da popular série de futebol "Fifa", da EA. "No videogame a bola pode vir de infinitas posições, direções e velocidades, cabe à máquina fazer a extrapolação depois de aprender as regras."


Se os atores sentem um frio na espinha diante desses avanços, até os jogadores estão perdendo a vez. Uma parte do final do desenvolvimento de jogos são as certificações de qualidade, conhecido como QA, na sigla em inglês.


O método tradicional se dá com um ser humano jogando, testando. Mas hoje existem processos em que os estúdios põem uma máquina para jogar, seguindo uma receita de bolo, diz Lopes.

"Há aspectos, porém, qualitativos captados só pelo olhar humano, principalmente no padrão de qualidade", ele acrescenta. "Fifa", por exemplo, é um simulador. Persegue, ao mesmo tempo que influencia, os padrões televisivos de transmissão de partidas de futebol, busca trazer o entusiasmo do esporte. E máquinas não se emocionam com partidas de futebol –ainda não, ao menos.


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