Explosão de sabores?
O setor de data centers pede que seja retirado da proposta de regulação de inteligência artificial o trecho que trata do pagamento por direitos autorais durante o desenvolvimento de sistemas de IA. A manifestação consta em nota divulgada na noite desta segunda-feira (9).
Os artigos do projeto de lei 2338 de 2023 que garantem a remuneração dos criadores podem afastar o investimento no Brasil dos desenvolvedores de inteligência artificial e modelos de aprendizado de máquina. Na prática, o documento faz referência às big techs, diz à reportagem o presidente da Elea Data Centers, Alessandro Lombardi.
O documento reúne assinatura dos CEOs de três das cinco maiores detentoras de data centers no Brasil (Scala, Elea e Odata; as outras duas são multinacionais). O setor calcula que, com a interrupção de todos os projetos de IA no Brasil por conta da atual regulamentação, perderia R$ 600 bilhões de investimento em infraestrutura e compra de computadores de ponta.
A captação de investimentos e financiamento de infraestrutura de processamento computacional é um dos pilares do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que cita uma linha de crédito de R$ 2,3 bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) com esse objetivo. O governo e as empresas citam a matriz elétrica brasileira, com 88% de fontes renováveis, como uma vantagem competitiva.
Porém, os primeiros projetos voltados à inteligência artificial, de iniciativa das big techs, anunciados nos últimos meses, ainda não saíram do papel e envolvem um prazo de dez anos.
O pagamento pelo uso de textos, imagens, áudios e vídeos protegidos por direitos autorais foi uma reivindicação da imprensa e dos artistas ao Senado. Uma nota assinada por entidades do jornalismo e da cultura diz que a variação de informações cooptadas por essas ferramentas torna muito difícil identificar de onde a informação original foi extraída, o que prejudica a localização do autor daquele conteúdo.
O artigo 62 do PL 2338/2023 garante proteção a qualquer conteúdo que tenha direitos do autor garantidos. O uso dessas informações pelos desenvolvedores deverá ser tornada pública posteriormente, quando a ferramenta se tornar comercial.
O problema, de acordo com os data centers, seria a dificuldade de identificar quais dos conteúdos publicamente disponíveis na internet são materiais autorais. Essa confusão poderia ocorrer, por exemplo, na mineração de conteúdos publicados nas redes sociais, de acordo com Lombardi.
A legislação brasileira seria mais protetiva do que o Ato de IA europeu, aos estabelecer uma obrigatoriedade de remuneração. A lei europeia garante apenas o direito de exclusão dos dados proprietários, embora isso ainda possa mudar por influência de decisões judiciais.
Mesmo nos Estados Unidos, onde não há lei específica para inteligência artificial, o tema é pauta de disputas judiciais.
Programadores, por exemplo, processam o GitHub e a OpenAI por desrespeitarem as condições de uso de códigos disponíveis na internet para desenvolverem uma IA programadora, apontando que o uso de conteúdo protegido por IA pode infringir direitos autorais. Escritores americanos processaram a Meta com argumentos similares.
A lei brasileira, porém, abre uma exceção para os sistemas de inteligência artificial ainda em desenvolvimento. A remuneração dos autores só ocorreria quando a tecnologia chegasse ao estágio comercial.
Para o advogado especialista em direito digital Rony Vainzof, o risco é que empresas brasileiras sejam desestimuladas a treinarem modelos por não terem dinheiro para pagar os autores.
"Uma solução seria prever somente a obrigação de transparência no uso dos conteúdos usados no treinamento, acompanhados de códigos de conduta adotados pelas empresas", diz.
Embora a Fiesp (Federação das Indústria do Estado de São Paulo) tenha declarado apoio à atual redação da regulação de IA, o advogado da entidade, Flávio Unes, diz que o trecho criticado pelos data centers merece aprimoramento.
Algumas das empresas na fronteira do desenvolvimento de IA, como OpenAI e Perplexity, têm fechado acordos de licenciamento de conteúdo com empresas jornalísticas dos Estados Unidos e da Europa, deixando o resto do mundo de fora. Google e Meta ainda não celebraram acordos nesse sentido e já fizeram manifestações públicas em defesa da gratuidade na mineração de dados da internet.