Orlando, Flórida. Lar do tão sonhado Walt Disney World. Um lugar pelo qual os brasileiros parecem ter uma certa fixação. A construção do parque foi anunciada em 1965. O Projeto Flórida, como a Disney o chamava. Mas, a Flórida vai muito além de princesas e ratos falantes, como bem mostra o diretor Sean Baker.
Em "Projeto Flórida", somos apresentados ao outro lado dessa realidade: em uma terra conhecida pelos parques mágicos, uma mãe e uma filha sofrem para pagar o quarto onde vivem, em um hotel - que por vezes lembra o cortiço de Aluísio Azevedo, adquirindo vida própria, como nas cenas nas quais os ocupantes do lugar estão indo dormir.
Enquanto milhares de crianças se divertem nos parques Disney, as crianças do hotel pedem dinheiro na rua pra comprar sorvete, fazem competição de cuspe, vagam pela região. Elas podem soar irritantes em um primeiro momento, mas são reflexo do meio onde estão inseridas. Nesse grupo, a atriz Brooklynn Prince, de apenas sete anos, se destaca de forma assustadora, conseguindo atuar de forma madura e natural no papel de Moonee.
Além de contrapor o Walt Disney World com a realidade na periferia, Baker nos apresenta personagens verdadeiramente humanos. A infância em "Projeto Flórida" é retratada da forma mais real possível. Em nenhum momento temos uma "vitimização" dos personagens. Pelo contrário, elas estão sempre inventando novas brincadeiras e buscando o seu próprio encanto. Mas, fica óbvia a contraposição feita, sem apelar para qualquer tipo de gratuidade.
As personagens vão muito além de qualquer simplicidade. Halley (Bria Vinaite), mãe de Moonee, é um dos melhores exemplos disso. Uma figura complexa, com muitas camadas. O roteiro de Sean Baker e Chris Bergoch brinca com a relação entre mãe e filha durante as quase duas horas de filme. Somos inundados por empatia ao mesmo tempo em que reprovamos a forma como as coisas acontecem. Cada cena tem uma consequência – seja positivo ou negativo – ao desenrolar do filme. Destaque para as cenas em que Moonee toma banho na banheira.
Willem Dafoe é outro a brilhar. Interpretando a figura paterna do gerente do hotel, o personagem nos traz a mente aqueles momentos em que sentimos empatia por alguém em uma situação pior que a nossa e ficamos na dúvida entre se meter no problema, ajudar ou apenas deixar a vida seguir o seu curso nada natural.
Pelo papel, o ator foi indicado na categoria de melhor ator coadjuvante no Globo de Ouro e no Oscar. Na premiação da Academia, inclusive, "Projeto Flórida" foi um tanto quanto esquecido, com apenas esta indicação, enquanto que a obra tinha espaço para ser indicada tanto nas categorias de roteiro quanto no principal prêmio da noite: Melhor Filme.
O diretor Sean Baker é mais conhecido pelo seu trabalho em "Tangerine" (2015), todo filmado com câmeras de celular. Em "Projeto Flórida", o diretor mantém o estilo marginal. O recurso da câmera na mão é muito utilizado, dando um toque de amadorismo e urgência.
Um dos grandes responsáveis pelo tom do filme é o diretor de fotografia, Alexis Zabe. Muitas vezes, temos planos abertos com cores vibrantes para representar o mundo mágico da Flórida. Em tons roxos e azuis – como na própria pintura do hotel ou no céu – somos apresentados ao submundo nada mágico da Flórida. O longa é todo filmado em 35mm, ressaltando as cores da produção.
Ao final, "Projeto Flórida" nos faz perceber que mesmo em uma terra aparentemente encantada, ainda existem milhões de problemas que ficam à margem. Fora de vista. Nos resta tentar encontrar o nosso próprio Walt Disney World.
"Projeto Flórida" faz parte da programação de filmes da 1ª Mostra de Cinema "O Amor, a Morte e as Paixões", em realização no Royal Plaza Shopping até a próxima quarta-feira (9). Os ingressos podem ser adquiridos por R$ 8. Confira aqui a programação completa do evento.