Estreias

'O Insulto' leva o Líbano pela primeira vez ao Oscar

02 mar 2018 às 16:21

"Palavra, atitude ou gesto que tem o poder de atingir a dignidade ou honra de alguém; falta de respeito, desprezo, por outro ou por suas crenças." Esta é a definição que o dicionário do Google dá ao substantivo "insulto". E com base nela, o título do primeiro filme libanês indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, "O Insulto", é preciso ao delimitar sua temática central: o desprezo pelo outro; palavras ou gestos que ferem a dignidade de alguém.

No filme, dirigido por Ziad Doueiri, o refugiado palestino Yasser Salameh (interpretado por Kamel El Basha) é responsável por consertar calhas irregulares, em nome do governo, na cidade de Beirute. O mêcanico libânes Toni Hanna (Adel Karam), apoiador do partido cristão, entra em conflito com Yasser ao impedir que ele entre em sua casa. A situação se agrava quando Toni ofende o povo palestino e é agredido por Yasser. Assim, o desacordo evolui para um julgamento com ampla cobertura midiática. Um caso banal se transforma em uma disputa política entre palestinos e cristãos.


O grande trunfo do longa-metragem está no arco narrativo dos protagonistas. Fugindo da tendência vista em outros filmes sobre conflitos políticos-sociais, "O Insulto" desperta empatia pelos dois lados. O palestino que vive em um campo de concentração para refugiados e trabalha para sobreviver. O cristão que vive com a esposa grávida e defende seus ideais. Destaque para o momento em que, ao consertar um carro, Toni fala sobre a má qualidade de peças chinesas e exalta as alemãs. Mais tarde, já no tribunal, Yasser diz o mesmo. "O Insulto", em um primeiro momento, contrapõe as visões dos personagens, mas, ao mesmo tempo, mostra que pessoas com pensamentos opostos podem ser mais parecidas do que imaginam.


Kamel El Basha entrega uma atuação delicada, pautada em olhares e feições – aproveitando os closes utilizados para criar uma tensão entre os protagonistas. Pelo filme, Kamel se tornou o primeiro palestino a vencer o prêmio de Melhor Ator no Festival Internacional de Veneza. Em contraposição, Adel Karam atua de forma mais explosiva, com um personagem que transmite a impulsividade e muitas vezes o ódio.


Durante o julgamento, o clima de tensão fica aparente, com uma montagem ágil e uma boa construção dramática durante o primeiro e metade do segundo ato. Esse estilo "americanizado" talvez se justifique pelo fato de o diretor e também roteirista Ziad Doueiri ter trabalhado como assistente de câmera com Quentin Tarantino em "Cães de Aluguel", "Pulp Fiction", "Um Drink no Inferno" e "Jackie Brown".


A fotografia, assinada por Tommaso Fiorilli, segura a tensão do filme. Em cenas de conflito, a câmera fica em meio ao tumulto, próxima aos manifestantes e passando o clima de desorganização. O mesmo acontece quando dezenas de jornalistas amontoam-se em frente ao tribunal. Também são comuns os planos abertos sobre a cidade de Beirute, habituando o espectador a um cenário diferente das habituais cidades ocidentais.


Nos cenários, são comuns os símbolos que remetem à crença e à origem dos personagens. Na casa de Toni, por exemplo, imagens cristãs aparecem ao fundo em alguns ambientes, assim como bandeiras da Palestina no campo de concentração onde Yasser vive.


Reprodução//IMDB


O filme peca, porém, ao manter um tom novelesco. As sutilezas presentes na construção de Toni e Yasser parecem desaparecer nos momentos de "emoção", com abuso da trilha sonora e viradas clichês, que têm como única explicação uma tentativa de surpreender o espectador. A relação entre o advogado e a advogada dos protagonistas começa a ser trabalhada para, no fim, ser deixada de lado, aparentemente só para causar apreensão.


O roteiro, também assinado por Joelle Touma, comete o mesmo erro com as personagens femininas, desenvolvendo-as em um primeiro momento para depois abandoná-las completamente na trama. A situação de Yasser com a empresa onde trabalha também fica em aberto, com um deputado intervindo na situação e depois desaparecendo. Em suma, uma miríade de inícios que fisgam o espectador, mas não são desenvolvidas a contento.


Ironicamente, o filme quase caiu em uma situação parecida com a que retrata. Algumas das cenas do longa foram gravadas em Israel, o que considerado crime no Líbano. Os países possuem um histórico de confrontos militares, como mostra a própria produção. "O Insulto" foi boicotado por uma "pequena parcela da população", como disse o próprio diretor em vídeo gravado para o "iG Gente". "Infelizmente", diz o cineasta, "conseguiram boicotar o filme na Palestina. O que é triste e destrutivo, especialmente porque Kamel El Basha ganhou um grande prêmio em Veneza".


Reprodução//IMDB


Pela primeira vez o Líbano terá um representante no Oscar. "O Insulto" é histórico. Mas ainda assim, é importante questionar a presença do filme entre os indicados, sendo que o ótimo "120 Batimentos por Minuto", da França, foi deixado de fora da seleção final.

Em Londrina, "O Insulto" está em cartaz no Royal Plaza Shopping, diariamente às 17h15, 19h e 20h50. Confira a programação completa de cinema na cidade aqui.


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