A plateia de uma sessão especial do filme "Ainda Estou Aqui", em Manhattan, ovacionou de pé a chegada do diretor Walter Salles e da atriz Fernanda Torres para uma conversa, na noite de quarta-feira (15). O filme, baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva, narra o desaparecimento de seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar, sob o ponto de vista da evolução de Eunice, a viúva que criou os cinco filhos do casal.
O premiado filme brasileiro cotado para receber indicações ao Oscar, neste domingo (19), foi exibido também no Museu da Imagem e do Som, na noite anterior, no bairro de Queens, em Nova York.
Se a plateia de Manhattan era, em parte, formada por brasileiros, como o público de outras sessões reage à experiência cotidiana de uma democracia sob ataque autoritário? Walter Salles diz à reportagem que, mesmo na sessão no Museu da Imagem e do Som e em Los Angeles, as perguntas dos americanos na plateia refletem sua percepção de que a fragilidade democrática não é mais notícia de uma terra estrangeira.
A crítica de cinema Tomris Laffly fez perguntas ao diretor e à atriz, ao final da sessão em Manhattan. Indagou sobre o processo de filmar numa casa e formar a família de atores. Salles explicou que foi, aos poucos, ensaiando cenas que não estavam no roteiro. "Nós convidamos os atores a trabalhar nos quartos que ocupariam e abraçar o diálogo por eles mesmos."
O diretor acredita que o processo criou algo único no filme. "Em cada tomada eu tentei mudar a luz, o movimento da câmera, de modo que nenhuma cena seria uma repetição da anterior, para dar um senso de imediatismo, algo táctil que eu lembrava da minha juventude."
Sobre evocar os anos 1970, Walter Salles explicou as duas decisões visuais que tomou em "Ainda Estou Aqui". Primeiro, a de filmar em 35 milímetros para não conferir um tom legítimo à produção. "A história era próxima demais à minha vida para ser artificial, disse o diretor, que frequentava a casa da família Paiva na orla do Rio de Janeiro quando jovem. "O 35mm traz o grão e a textura daquela era, sem acrescentar grão artificial."
Quando se usa filme, lembra o diretor, não dá para fazer cem tomadas. Faziam duas ou três de cada cena. Já o uso de filmes super 8 veio do fato de que na pesquisa pré-produção encontraram dezenas deles da família Paiva: "Os filmes nos remeteram à geografia humana daquele tempo. Como eram os cabelos, notamos como as pessoas eram mais magras."
Mas Salles lembra também que, além da geografia humana revelada em filmes domésticos, havia o país sob um cerco. "Você via militares no background," diz. "Se pudéssemos mostrar estes dois aspectos, teríamos a textura do filme."
A família Paiva havia também colecionado uma enorme quantidade de fotografias. O diretor decidiu entregar a câmera para a personagem de Veroca, a filha mais velha (vivida por Valentina Herszage).
"O super 8 tem a beleza de incorporar erros," argumenta o diretor, "E, assim, a vida, coisas que respiram no filme. Não usamos nenhum filme original da família, criamos nossos próprios e os atores também filmaram."
Neste momento, Fernanda Torres revelou, para gargalhadas da plateia, que quando Walter voltou de Londres com filmes produzidos para mostrar a experiência de Veroca vivendo na capital britânica ela pensou, preocupada: "Uau, eles são bem ruins, mas não tive coragem de dizer a você."
A atriz comentou que, no começo da filmagem, toda cronológica, ela lutava para se lembrar dos nomes e apelidos dos "filhos". Mas, no final, estava se sentindo mãe real deles. Ela apelidou Valentina Herszage de Greta Garbo. E lembra que as atrizes sem experiência como Luiza Kosovski, que vive Eliana, e Bárbara Luz, a Nalu, estavam super conscientes de começar a carreira dirigidas por Walter Salles e "eu entendo este sentimento", diz a atriz, "queremos que ele goste da gente."
Fernanda disse que a ordem cronológica acrescentou uma camada extra de realidade. "A última vez que vi meu grande amigo Selton Mello, no papel Rubens, foi na cena quando a polícia veio buscá-lo." Ele desapareceu como marido e presença no set.
A entrevistadora perguntou sobre a percepção progressiva da perda de liberdade que a história narra. Walter Salles afirmou como o filme mostra esta evolução. A ditadura impacta a linguagem, a narrativa se torna mais subjetiva porque os personagens percebem que não podem falar livremente, com o telefone grampeado, a casa vigiada. Trocas de olhares, lembrou, ajudam a compreender o que acontece. Por isso, a partir do desaparecimento do pai, o que não pode ser dito adquire maior importância na história.
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