Alguns roteiros são mapas que devem ser seguidos como caminho seguro. Outros roteiros são mapas que dever ser perdidos como caminhos a serem reinventados. O cinema de Rodrigo Grota possui os dois pés fincados na segunda opção.
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A prova está em seu novo livro, “Cinemátika – Roteiros Para Curtas” que será lançado nesta quarta-feira (26), às 19 horas no Sesc Cadeião Londrina.
A obra reúne roteiros de 10 curtas-metragens escritos e dirigidos pelo cineasta londrinense entre 2007 e 2025: “Satori Uso” (2007), “Booker Pittman” (2008), “Haruo Ohara” (2010), “O Castelo” (2013), “Andrea Tonacci” (2013), “Jardim Tókio” (2014), “O Nadador” (2014), “Blackout” (2022) e os inéditos “O Assassinato de Pé de Veludo” e “Sombria”, ambos em finalização.
O livro oferece um panorama da linguagem desenvolvida por Grota: a ideia de filme como um único tempo contínuo. Um tempo onde passado, presente e futuro existem sem distinções. Em suas palavras, a criação de um roteiro é uma aventura interior: “Tento escrever como se recuperasse uma lembrança, embora não tenha necessariamente vivido aquele acontecimento. Para mim, o roteiro é também uma forma única de viver como se estivéssemos em outra época, em outro espaço, em outro sentimento.”
A seguir, Rodrigo Grota fala sobre “Cinemátika – Roteiros Para Curtas” e de seus novos filmes que devem ser lançados em 2026.
Além dos roteiros, “Cinemátika” traz artigos, depoimentos e entrevistas. A ideia do livro é oferecer um panorama de sua obra?
A ideia principal é estimular o estudo e a escrita de roteiros no Brasil que não tenham apenas uma dramaturgia mais narrativa, e sim também uma estética mais poética, com uma atmosfera mais próxima da música e das artes plásticas. Essa intenção já estava de certa forma no meu livro anterior: “Fantasmátika - Teoria Para um Cinema Poético”, de 2022. Mas aquele projeto tinha um viés mais teórico. Neste novo livro quis oferecer ferramentas mais práticas e concretas para as pessoas que se interessam pela escrita e realização de curtas. Como fiz uma seleção de roteiros que escrevi e dirigi ao longo dos últimos 20 anos, o livro acaba por se tornar uma introdução à minha obra com destaque para as narrativas breves. Eu amo fazer curtas, e sempre vou curtir fazer, mesmo depois de ter dirigido séries e longas. É o formato no qual a gente se arrisca e se diverte mais!
O livro oferece uma oportunidade única: ver os roteiros dos filmes lado a lado. Em sua visão, qual seria o elemento que permeia os 10 filmes?
Gosto de acreditar que há uma unidade entre os filmes, mesmo que de forma inconsciente. Para mim, o que une os roteiros é o desejo de criar uma imagem fluida, imprecisa, que se renova. Uma atmosfera com a qual eu não me identifique, apesar de sentir que estou a percorrer um universo familiar. Gosto da ideia de que um filme, quando realizado de forma autêntica, é sempre um mergulho em nosso universo interior.
E ali estão o nosso passado, presente e futuro, sem distinções. Como se o tempo do filme fosse um só tempo contínuo; e como se o espaço no Cinema estivesse sempre em fuga, em constante transformação. Acho também que, no meu caso, mais importante do que escrever sobre si é o desejo de reinvenção e a recusa a uma certa identidade. Pois gosto de sempre de sentir que não fui eu que fiz o filme. Como se tivesse apenas encontrado aquelas imagens.
Seus roteiros são fortemente fundamentados em imagens e atmosferas. Diálogos e textos não ocupam grandes espaços. Essa seria sua linguagem cinematográfica?
Me apaixonei por cinema quando tinha 15 anos, pois sentia que ali poderia expressar algo ainda inacabado, uma ideia em progresso. Sempre penso em cinema, mas não de forma consciente. Nesse sentido amo aquela frase do Leminski: “Distraídos venceremos”. De certa forma, se um filme se refere a algo muito importante para você, você está sempre a fazer esse filme. E acho também que o mais precioso nessa construção é aquilo que vem por acaso ou por acidente, como se o destino estivesse a nos conduzir. Por isso, sinto que o cinema que mais aprecio é aquele que expressa uma imagem que se refere a algo que essencialmente não pode ser acessado de forma objetiva. Só podemos acessar ou construir essa imagem por meio do seu aspecto fantasmático: como se espectros estivessem a se mover entre sombras em uma atmosfera não sonora e não visível. Esse é o cinema no qual acredito.
No texto de introdução de “Cinemátika”, você declara que “o roteiro é um mal necessário”. E complementa que, se possível, não escreveria roteiros para os filmes que dirige. Como é isso?
O mais difícil ao realizar um filme é preservar o que há de vida naquela história, naquelas personagens. Quando escrevemos um roteiro, criamos uma base para a produção, equipe e elenco, mas pode haver o risco de o roteiro deixar o processo criativo do filme mecânico, submisso ao que está escrito. Isso ocorre quando há um respeito excessivo pela palavra escrita. Nesse sentido, em especial nos curtas, escrevo os roteiros, mas depois tento me desviar deles, como se o mais importante fosse aquilo que está vivo no set. No caso dos longas, ocorre o oposto. O processo para fazer um longa é tão extenso (o “Quase Inverno”, por exemplo, levou 10 anos), que acabo me perdendo no caminho. Daí nesse caso o roteiro acaba por me lembrar que filme queremos fazer. Por isso que o roteiro é um “mal necessário”: ele é um guia, mesmo que for para você se desviar dele.
Seu trabalho no cinema já soma três décadas em Londrina. O que vem pela frente?
Em 2026, vou lançar os longas “Quase Inverno”, inspirado na peça “As Três Irmãs”, do Tchekhov; e “João Antônio – Preciso Contar Tudo o Que Vi”, um documentário sobre o grande escritor paulista. Também vou lançar em breve dois curtas (os roteiros, aliás, estão no livro): “Sombria”, uma fábula de horror poético; e “O Assassinato de Pé de Veludo”, um policial satírico inspirado em fatos históricos. No momento, estou dirigindo duas séries infantis para a TV Cultura: “Turma da Ala 23”, com mais de 30 cenários e elenco local; e “Cada Conto Vale um Ponto”, uma animação. Em 2026, também vou lançar o meu quarto livro: “A Arte da Fuga – Escritos Sobre Cinema”, que reúne críticas, ensaios, artigos e entrevistas que escrevi ao longo de quase 30 anos. E vou rodar um curta em Florianópolis inspirado na peça “A Gaivota”, de Tchekhov. O título provisório é “Ainda Guardo Nosso Cigarro”.

SERVIÇO:
“Cinemátika – Roteiros Para Curtas”
Autor – Rodrigo Grota
Editora – Grafatório
Páginas – 320
Patrocínio – Lei Aldir Blanc/Prefeitura de Londrina
Quanto – Distribuição gratuita no lançamento
Lançamento:
Quando: quarta-feira (26), às 19h
Onde – Sesc Cadeião Londrina (Rua Sergipe, 52, em Londrina)