A noite ia bem, o que é sempre difícil de prever, ainda mais num ano com tantas mudanças. O trio de apresentadoras estava tirando risadas fáceis da plateia, as performances musicais estavam dando uma bela animada e todos pareciam ter esquecido da Covid em sua celebração do cinema. Até que Will Smith subiu ao palco do Oscar e, dali para frente, o clima fechou.
Após ouvir uma piada de extremo mau gosto de um dos nomes convidados a apresentar os prêmios da noite, Will primeiramente riu. Mas sua mulher, ao seu lado, revirou os olhos em claro descontentamento, já que sua alopécia, uma condição que provoca queda de cabelo, era o motivo do comentário.
Parecia que a esquete tinha acabado, com a câmera de volta ao palco, até que Chris Rock, o tal piadista, anunciou que Will estava vindo em sua direção. Rindo, achando que aquilo fazia parte da graça, acabou levando um tapão na cara. De volta ao seu lugar, o ator que venceu o Oscar poucos minutos depois gritou: "Tire o nome da minha mulher da sua boca!".
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Daí em diante, a noite de festa e o clima de descontração mudaram profundamente. Demorou um tempo até convidados e espectadores entenderem que não, aquilo não estava no roteiro da cerimônia, e o desconforto reinou, tirando o brilho de qualquer um que vencesse algum Oscar na sequência.
Os discursos que vieram depois até tentaram reverter a derrocada, mas já era tarde demais. Uma agressão televisionada para milhões de pessoas, na festa mais glamorosa do entretenimento, afinal, não é algo que se esquece facilmente.
Quem subiu ao palco a partir daí evitou mencionar diretamente o incidente, mas mandou mensagens sobre a importância da paz, da união e essas coisas todas que, esperava-se, marcariam uma cerimônia pós-Covid, em meio a uma guerra na Europa e na esteira de protestos contra um dos maiores estúdios de Hollywood, a Disney, por patrocinar legisladores que passaram uma lei homofóbica na Flórida.
Na internet, as pessoas se dividiram -mas penderam para o lado de Will, tomando as dores de quem foi agredido primeiro, mesmo que não fisicamente. A reação teatral de Nicole Kidman, de queixo caído, foi outro detalhe da briga que viralizou.
Se no Brasil estamos vendo reclamações sobre a atual edição do "Big Brother Brasil" e do marasmo provocado por um elenco paz e amor, parece óbvio imaginar que um tapa na cara como o que ocorreu no Oscar levantaria os ânimos como uma final de Copa do Mundo. O público gosta de polêmica e lágrimas, como a própria Hollywood sempre reforçou em seus filmes.
Num contexto pós-pandêmico, em que a paciência anda curta e os nervos de todos parecem estar à flor da pele, o ator incorporou toda a frustração reprimida dos meros mortais -e, se você tende a rechaçar piadinhas feitas às custas de minorias, o momento da agressão foi ainda mais catártico, um tapa literal e metafórico na cara de quem ainda acha bacana fazer piada com a dor dos outros.
Importante notar que, apesar de Will ter sido o que mais se ofendeu, a piada foi feita por um homem com o intuito de zombar uma mulher, justamente por sua aparência.
Mas para além da agressividade e do desconforto da coisa, o tapa voou nas redes sociais porque mostrou que celebridades são gente como a gente. Elas também se enfurecem, choram e perdem a linha -como todo mundo faz vez ou outra. Talvez não a ponto de esmurrar uma pessoa, afinal, mais violência não deveria ser a resposta à violência.
O descontrole de alguém tão lendário quanto Will Smith, justamente na noite em que ele venceu o Oscar, um dos prêmios mais respeitados e cobiçados do mundo, do qual bilhões de pessoas sabem que jamais chegarão perto, fez com que ele descesse do Olimpo.
Não há nada mais humano do que as lágrimas que derramou mais tarde, num momento de fragilidade mundana, enquanto agradecia o prêmio e pedia desculpas. Todos erram, até gigantes como Will Smith. Mas, como todos, agora será preciso lidar com as consequências desses erros -parece improvável que a Academia vá retirar seu Oscar, e Chris Rock já disse que não prestará queixas.
Mas nem Will está acima do que é certo ou errado, não importa a justificativa. Agora, vai deixar registrado em sua história e em seu legado, talvez acima de qualquer boa atuação que já tenha feito e até de sua vitória no Oscar, uma agressão que constrangeu toda a nata do cinema.