Assim como uma semente que é plantada, regada e aos poucos cresce até dar frutos, a experiência nas cooperativas mirins permite que os estudantes desenvolvam habilidades, descubram talentos e amadureçam para além da sala de aula. Nesse ambiente, eles aprendem a importância do trabalho em equipe, da responsabilidade e da autonomia, colhendo resultados que impactam não apenas a vida escolar, mas também o futuro profissional e pessoal.
No ano de 2026, a experiência das cooperativas mirins deve ganhar espaço no Paraná a partir de uma parceria selada, em setembro, entre o Sistema Ocepar (Organização das Cooperativas do Estado do Paraná) e a Seed (Secretaria do Estado da Educação) visando ampliar o número dessas associações de estudantes dentro das escolas estaduais.
Hoje, o Programa Cooperativas Mirins e Escolares, ligado ao Sistema Ocepar, acompanha mais de três mil estudantes de escolas públicas e privadas dentro dos princípios do cooperativismo: adesão livre e voluntária, gestão democrática, participação econômica dos associados, autonomia e independência, educação, formação e informação, intercooperação e compromisso com a comunidade.
Coordenador Estadual de Colégios Agrícolas e Casas Familiares Rurais, Renato Gondin explica que a união com a Ocepar vai fomentar o cooperativismo no Paraná e deve ser implantado a partir do início do próximo ano letivo.
Dispobilidade
Segundo ele, o critério para a seleção das escolas vai ser a disponibilidade de uma cooperativa de qualquer segmento no município que tenha interesse em fomentar os princípios do cooperativismo dentro dos colégios estaduais. De início, o projeto deve envolver 100 instituições em todas as regiões do Paraná e até cinco mil alunos poderão ser beneficiados.
Para as instituições de ensino integral, ele adianta que o projeto deve ser inserido dentro da matriz curricular, onde o estudante terá quatro horas semanais para desenvolver as atividades da cooperativa. Para o ensino regular, a meta é oferecer o projeto no contraturno dentro da disciplina voltada para o empreendedorismo.
“Da forma mais prática possível”, afirma o coordenador ao ser questionado sobre como o cooperativismo vai ser trabalhado em sala de aula com os alunos. Ele destaca que o aprendizado acontece quando os estudantes colocam a “mão na massa”, incluindo a produção e comercialização de algum produto, tudo com apoio da equipe pedagógica da escola e da cooperativa parceira.
“Eles vão crescer com o conhecimento cooperativista”, afirma, citando que esse é um trabalho de ‘formiguinha’ no agora para que os frutos sejam colhidos no futuro.
Prática do cooperativismo
Coordenadora de Cooperativismo do Sescoop/PR (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Paraná), Eliane Goulart destaca que as crianças e adolescentes que integram as cooperativas mirins têm um aprendizado voltado para a prática do cooperativismo, já que precisam lidar com todos os aspectos de um trabalho em conjunto, desde a compra de insumos até a fiscalização dos valores que entram e saem. Em dois anos, o número de cooperativas mirins e escolares saltou de 23 para 98.
“Eles desenvolvem competências voltadas ao empreendedorismo, à comercialização, à comunicação, à liderança, à organização e à fiscalização. Eles aprendem a fazer de tudo um pouco”, explica.
Com 227 cooperativas registradas no Sistema Ocepar e mais de quatro milhões de associados, Goulart destaca que o Paraná é um estado com muito potencial para o cooperativismo. Em 2024, o faturamento foi de mais de R$ 205 bilhões. Além disso, o cooperativismo responde por 64% do PIB (Produto Interno Bruto) agropecuário do Paraná, exportando a produção para mais de 150 países.
Ela explica que a iniciativa de levar o cooperativismo para dentro das escolas partiu das cooperativas paranaenses após uma visita a projetos em andamento na Argentina e no Rio Grande do Sul. A ideia é que as cooperativas façam parcerias com escolas ou outras instituições de ensino e ‘apadrinhem’ os estudantes nessa jornada rumo ao cooperativismo.
Preparar as futuras gerações
Em plena expansão, a coordenadora ressalta que o Paraná tem um legado a deixar no cooperativismo, o que demonstra a necessidade de preparar uma futura geração de cooperativistas. Por isso, o Programa Cooperativas Mirins e Escolares representa, na prática, uma semente plantada no agora para ser colhida em um futuro próximo.
“É muito mais fácil você trabalhar conceitos como senso de coletividade, o empreendedorismo, a preocupação com a comunidade e com o meio ambiente enquanto eles são crianças”, afirma.
À medida que crescem, a proximidade com o cooperativismo se estreita, o que pode representar a formação das futuras lideranças e associados. “A gente vai ter uma geração que é simpatizante do movimento cooperativista”, afirma.
"Uma sociedade mais cooperativa, mais justa e sustentável"
Beatriz Vozniak Barbosa é analista de Cooperativismo e Experiência do Cooperado da Castrolanda Cooperativa Agroindustrial, em Castro, nos Campos Gerais, e explica que o Programa Crescer e Cooperar, que integra a iniciativa de promover as cooperativas escolares e mirins, nasceu com o objetivo de atender alguns dos princípios do cooperativismo, voltado principalmente para promover a formação e a preocupação com a comunidade.
“Nosso programa tem o intuito de ver o crescimento e o desenvolvimento desses alunos, colocando eles como protagonistas da sociedade porque eles são o nosso futuro. Nós precisamos trabalhar com eles uma sociedade mais cooperativa, mais justa e sustentável. A gente acredita que é só com a prática que vamos promover o desenvolvimento desses alunos, trabalhando com a democracia, com a educação empreendedora, sustentável e com liderança para que eles possam atuar na sociedade em diferentes frentes sociais e econômicas, até mesmo dentro da nossa cooperativa”, afirma.
A base do projeto é promover e incentivar a cooperação e a formação de lideranças dentro das escolas. A primeira a receber o programa foi a Escola Evangélica da Comunidade de Castrolanda, com 59 associados. Na instituição, os alunos cuidam de uma horta, onde são responsáveis pelo trabalho com a terra, rega, colheita e venda. Com o dinheiro, promovem doações para instituições de caridade da cidade.
Os cooperados da Escola Evangélica da Comunidade de Castrolanda também confeccionam pulseiras com dizeres voltados à cooperação.
Ao todo, são oito cooperativas apadrinhadas pela Castrolanda e 528 alunos associados, englobando estudantes do 4° ao 9° ano e ensino médio de escolas particulares, municipais e estaduais no contraturno. Com encontros semanais, eles debatem assuntos voltados para cada uma das funções que integram a cooperativa, do marketing ao conselho fiscal, assim como participam de oficinas relacionadas a temas aprovados pelos cooperados nas reuniões.
Com a constituição das cooperativas nas escolas, Barbosa explica que houve uma mudança no comportamento dos alunos, tanto na parte social quanto disciplinar, principalmente o pensar em coletivo. “Os professores começaram a perceber a diferença dos alunos dentro da sala de aula, com o comportamento entre eles, e também nas responsabilidades com atividades diárias, com os trabalhos e tarefas”, detalha. Segundo ela, muitos alunos também perderam a costumeira timidez na hora de falar em público.
Cooperativismo que inclui
Marcella Sanches Esper Kallas é a professora orientadora da Mãos que Transformam, cooperativa da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Londrina, e explica que todo o material de estudo foi adaptado para atender as necessidades dos estudantes, já que alguns possuem graus mais elevados de comprometimento cognitivo e não são alfabetizados. Ao todo, 17 estudantes com idades entre 13 e 45 anos integram a cooperativa.
Cada cooperado foi designado para a função na qual já tinha mais proximidade, como no caso da Valéria Rodrigues, 20, responsável pelo marketing, já que é a que mais gosta de fazer publicações nas redes sociais da cooperativa. As duas sentam e conversam sobre o que vai ser ou não compartilhado no Instagram. Ao ser perguntada sobre como é participar da cooperativa, o sorriso no rosto, mesclado com a timidez, não esconde a alegria de poder assumir o protagonismo. “Estou feliz.”
Com as funções estabelecidas e votadas em assembleia, todos também participam da produção das bolachas, que acontece às terças-feiras pela manhã. A reportagem pôde conferir de perto algumas das fornadas da bolacha de goiabada e de doce de leite saindo do forno. O cheiro do caramelizado percorria os corredores. Na cozinha, equipada para atender a demanda, é que a magia acontece.
Com as orientações de Kallas, os alunos aprendem a medir as quantidades de cada ingrediente, a misturar os secos com líquidos e a moldar as bolachas. Em uma única manhã, são produzidos 25 pacotes de bolacha vendidos a R$ 5 cada. Fábio Vinícius da Silva, 35, integra a equipe de produção por já ter afinidade com a cozinha. Em casa, segundo ele, gosta de cozinhar o tradicional arroz com feijão.
Ele detalha que a rotina envolve, em primeiro lugar, lavar as mãos e vestir o avental, a touca e a máscara, já que a higiene é fundamental. Depois, é mão na massa. “É um trabalho que dá autonomia para eles”, afirma Marcella Sanches Esper Kallas. Pensando na primavera e no verão, eles já aprovaram o início da produção de geladinhos.
Diferente de Fábio, que trouxe as habilidades de casa para a cooperativa, Luiz Henrique de Souza, 43, aprendeu na prática a cozinhar, o que se tornou sua parte favorita, ainda mais quando darem início a produção das bolachas de chocolate, seu sabor preferido, o que ele contou em primeira mão para a reportagem.
Do conselho fiscal, Isabela Moreira de Lima Gaion, 34, explica que a sua responsabilidade é fiscalizar o trabalho feito pelos outros cooperados. “Se alguém estiver fazendo errado, eu já chamo atenção para o que está errado”, conta, afirmando que se sente bem em poder ajudar a comunidade local. No dia 13 de novembro, a cooperativa Mãos que Transformam completa um ano.
O compromisso com a comunidade é um dos princípios do cooperativismo colocados em prática pelos estudantes. Desde o ano passado, eles organizam diversas campanhas para arrecadar doações em prol de instituições voltadas às crianças e idosos. Kallas detalha que eles já fizeram uma doação de brinquedos para o CEI (Centro de Educação Filantrópico) Boa Esperança. “Eles se vestiram de Papai Noel, com os gorros, e foram levar. Foi a maior felicidade”, afirma.
Com a venda das bolachas, o dinheiro também é revertido em ações: em abril, montaram pacotes de chocolate para entregar aos 350 alunos da Apae durante a Páscoa. Em junho, a doação foi de produtos de higiene e limpeza para um lar voltado ao atendimento de idosos. Agora, a partir de outubro, está aberta a campanha do ‘Natal Colorido’, que busca arrecadar pacotes de gelatina para serem doados ao Hospital do Câncer de Londrina.
Especialista em educação especial, Marcella Sanches Esper Kallas conta que, ao longo desse primeiro ano da cooperativa Mãos que Transformam, percebeu que a comunicação e interação entre os cooperados melhorou muito. “Eles são tão unidos”, garante.
A presidente Mariana Pereira, 33, que assume a frente da cooperativa, diz que cresceu muito em maturidade e em confiança ao longo dos últimos 12 meses e, apesar da responsabilidade, quer permanecer na presidência no próximo ano. A renovação dos cargos acontece em novembro.
A estudante conta que aprendeu na prática sobre o funcionamento de uma cooperativa e que a relação com os colegas é muito boa. Para ela, a palavra que resume toda a experiência dentro do Mãos que Transformam é ‘gratidão’.
“A cooperativa é um projeto em que eles vão aprendendo a ter responsabilidade, organização, respeito, que faz com que eles se sintam inseridos na sociedade”, afirma a professora.
Especialista em Desenvolvimento Cooperativo do Sicoob Ouro Verde, Maísa Palma Hangai explica que a ideia de levar o programa de cooperativas mirins para dentro da Apae surgiu da vontade de incluir os jovens dentro dos princípios do cooperativismo.
Todo o material pedagógico e metodológico foi adaptado para atender as especificidades dos estudantes que integram o projeto. “Tudo em formato muito lúdico para que eles compreendam todos os princípios do cooperativismo, os valores, a missão, o funcionamento de uma cooperativa, as funções e os cargos que eles ocupariam de acordo com as habilidades de cada um”, detalha.
Muito mais do que apenas aprender, Maísa Palma Hangai explica que eles vivem no dia a dia a cooperação, saindo da posição de ajudados para protagonistas das próprias histórias. “Foi a descoberta de que eles são capazes de ajudar outras pessoas”, afirma.
Hangai afirma que a Mãos que Transformam é a primeira cooperativa mirim dentro de uma instituição voltada para o atendimento de crianças com deficiência em todo o Brasil. O trabalho envolve uma escuta sensível e também muito diálogo, mas que o resultado é gratificante. “Implementar uma cooperativa mirim em um espaço de inclusão é abrir portas para que todos tenham direito à cidadania, ao protagonismo e ao cooperar. Se for para transformar vidas, o cooperativismo precisa estar presente”, afirma.