Os desafios enfrentados pelas mulheres para levarem os seus filhos para a vacinação são maiores e, dessa forma, contribuem para a queda nas coberturas vacinais.
Além de dificuldades ligadas ao acesso, como centros de vacinação distantes, custos ligados ao deslocamento e longas jornadas perdidas para cuidar da imunização das crianças, questões ligadas à saúde, pobreza e desigualdade também afetam mais mulheres, que são em geral responsáveis pelo cuidado da saúde dos filhos.
É o que explica Anuradha Gupta, presidente de imunização global do Sabin Vaccine Institute. Segundo ela, as estratégias para diminuir a hesitação vacinal e aumentar a confiança nos imunizantes são variadas entre os países, mas em geral têm maior efeito quando os gestores públicos levam em conta as diferenças regionais.
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"Quais são essas barreiras? A mulher pode ser responsável por levar a criança para a vacinação, mas pode não ter autorização do companheiro, ou ela até pode ter a autorização, mas não tem tempo. Portanto, precisamos entender essas variáveis e pensar em ações e estratégias localmente", disse.
Gupta foi também vice-CEO da Aliança Gavi para distribuição de vacinas, ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde) e atuou como diretora da Missão Nacional de Saúde na Índia, ligada ao SAI (Serviço Administrativo Indiano, espécie de Ministério da Saúde do país).
Ela concedeu entrevista à Folha durante o evento VARN (Rede de Pesquisa em Aceitação Vacinal) 2023, em Bancoc, Tailândia.
A senhora foi vice-CEO da Aliança Gavi por muitos anos, uma iniciativa importante, mas que teve críticas na pandemia, pois países mais necessitados não tiveram acesso às doses ou, quando chegavam, faltava a estrutura necessária para a vacinação. Quais são as principais dificuldades que enfrentou na sua época à frente da Gavi?
Há dois aspectos, o primeiro é a vacina, e o segundo, a vacinação. A Gavi estabeleceu toda a infraestrutura necessária para as vacinas, garantindo que elas fossem distribuídas de maneira equitativa para países de baixa e média renda. Neste sentido, foi bem-sucedida.
Porém, quando falamos de vacinação em si, acredito que focamos muito a introdução de novas vacinas e não demos tanta atenção à implementação das vacinas de rotina. Isso mudou a partir dos anos 2000, quando passamos a focar mais a imunização de rotina de forma a reduzir o impacto das doenças em países mais pobres. Foram feitos grandes investimentos, criamos o conceito de crianças zero dose, e isso foi possível graças à compreensão que os países não são iguais nos seus desafios locais.
É preciso que as organizações entendam como direcionar as vacinas para as populações que terão maior benefício com a imunização, e é aí que instituições como o Sabin desempenham um papel importante.
Quais são as estratégias que a sra. considera mais eficazes para engajar pessoas hesitantes em relação à vacinação?
Primeiro, é preciso entender por que elas estão hesitantes. Algumas pesquisas mostram que muitas vezes as mães estão hesitantes em levar as crianças para vacinar porque temem que elas sintam dor, tenham febre ou outros efeitos colaterais.
A segunda coisa é que, às vezes, as pessoas têm mitos ou percepções errôneas sobre os imunizantes.
O terceiro motivo é a reação dos profissionais de saúde nos locais de vacinação, que podem afastar os pais, fazendo com que eles não voltem para vacinar seus filhos.
Muitas mães e pais podem ter perguntas legítimas quanto à vacinação, mas, quando não se sentem acolhidas, vão sair de lá frustradas, aumentando a hesitação.
O acesso ao local de vacinação e o horário de atendimento também são importantes, pois muitas vezes a vacinação ocorre em horários que não são convenientes para as mães, em particular porque elas são as principais responsáveis pela saúde dos filhos.
O quinto e último motivo é a falta de doses. Às vezes, os pais chegam para vacinar seus filhos superando todas essas adversidades, mas não há estoque de vacinas.
A sra. falou bastante sobre as mulheres e como elas são em geral responsáveis pela vacinação dos filhos. Como essa questão do papel do pai e da mãe no cuidado das crianças afeta os índices de vacinação?
Por mais que na prática a gente veja que há uma predominância das mulheres no cuidado da vacinação, na literatura científica as evidências sobre esse fenômeno são mistas.
Em um estudo feito pela Gavi comparando lares em que as mulheres eram principais responsáveis pela vacinação e lares onde os homens desempenhavam esse papel, não houve diferença na cobertura vacinal das crianças.
O que acontece é que essas são normas sociais, por isso é importante compreender as barreiras que as mulheres enfrentam ao levar seus filhos para a vacinação.
Quais são essas barreiras?
Primeiro, uma mulher pode ser responsável por levar a criança para a vacinação, mas pode não ter autorização do companheiro e, assim, elas não conseguem vacinar seus filhos.
Em outros casos, elas até podem ter a autorização, mas podem não ter tempo, porque estão sobrecarregadas com o cuidado da casa ou com o trabalho.
Durante o período em que estive à frente da Gavi, vimos que fazer pequenos ajustes, como alterar o horário dos serviços de vacinação para o final da tarde e noite, quando as mulheres estão retornando de seus trabalhos, aumentou muito a cobertura vacinal. Outro ajuste fácil de ser executado é levar a vacinação próximo aos locais de trabalho das mães.
Quando pensamos nas estratégias que o governo pode implementar, como campanhas em escolas ou os famosos dias D de vacinação, elas funcionam em larga escala?
Essas campanhas são boas para a recuperação do atraso, mas são ineficazes para a imunização de rotina.
A hesitação vacinal em quase todo o mundo caiu nos últimos três anos, mas o Brasil foi um dos países em que ela cresceu, muito devido à pandemia. Como enxerga o efeito que a vacina contra a Covid teve nos programas de imunização infantil?
Acho que ainda é muito cedo para dizer que a hesitação relacionada às vacinas contra a Covid já está afetando a imunização de rotina.
Há uma hipótese de que, devido à desinformação e às dúvidas das pessoas em relação a essa nova plataforma, pela primeira vez as pessoas começaram a criar um conceito de vacinas "boas" e vacinas "ruins", o que não é desejável.
Falamos em investigar, ajustar as barreiras relacionadas ao acesso e à entrega das vacinas, mas precisamos também acompanhar de perto essa questão da percepção do público em relação às vacinas.
Como contornar esses problemas relacionados à desinformação?
É muito importante preparar os profissionais de saúde para ofertar informações adequadas sobre a vacinação, evitando assim a propagação de dados falsos e de medo. Eles também precisam ser treinados para terem empatia, oferecer apoio e conforto aos pais no momento de imunização.