Celebrado em 8 de março, o Dia Internacional das Mulheres é um convite para debater as lutas femininas, inclusive no mercado de trabalho; progresso depende da participação ativa das mulheres nas organizações, dizem pesquisas
Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicado em 2021, apontou que 63% dos cargos gerenciais são ocupados por homens. As mulheres atuavam somente em 37%. O índice baixo revela ainda um problema maior: o mesmo estudo, na edição de 2018, indicava a presença de 39% de mulheres em cargos gerenciais. Ou seja, o número, que já era baixo, ainda caiu 2% nos últimos anos.
Além disso, é incomum que mulheres cheguem a posições de destaque nas organizações. Apenas 8% das 500 maiores empresas do mundo têm mulheres CEOs. No Brasil, o cenário é similar: apenas 3% dos CEOs são mulheres nas maiores empresas do país, como demonstra o levantamento do IBGE.
Leia mais:
Mulheres não são governadas por hormônios, mas menopausa afeta o cérebro, diz pesquisadora
Entenda as diferenças entre perimenopausa e menopausa
Uma em cada quatro pessoas no Brasil conhece vítimas de violência doméstica, diz Datafolha
Mulheres lésbicas relatam negligência de médicos em atendimentos ginecológicos
A dbm Contact Center, empresa curitibana de relacionamento com o cliente e produtora de tecnologia, está na contramão: a maioria dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. Elas ocupam 77 das 133 cadeiras gerenciais.
Uma das bandeiras da organização, inclusive, é a diversidade e a inclusão. Lá, a equidade de gêneros é seguida à risca no que diz respeito à contratação e igualdade salarial. Esse, aliás, é outro problema enfrentado pelo público feminino no mercado de trabalho: um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a importância da legislação de transparência salarial apontou que, globalmente, as mulheres ganham salários 20% menores, em média, do que os homens. Os dados são de 2022.
A presença feminina das mulheres na dbm Contact Center extrapola ainda mais uma barreira estatística: elas estão presentes na liderança mesmo em cargos na área de tecnologia, onde os homens são a maioria absoluta. O estudo do IBGE demonstra que as mulheres representam somente 20% dos profissionais que atuam em Tecnologia da Informação (TI) no Brasil.
Roberta Machado é coordenadora de projetos de TI na dbm Contact Center e divide a sala com nove homens. Ela conta que sua convivência com os pares masculinos é tranquila e respeitosa. “A equidade de gêneros faz parte da cultura da empresa e uma das sócias, inclusive, é mulher. Isso reflete no dia a dia e não sinto nenhum desconforto em trabalhar diretamente apenas com homens. Mas já tive experiências ruins em empregos anteriores, onde eu não tinha voz. Ninguém prestava atenção nos meus argumentos e sugestões e quando um homem fazia a mesma observação era levado a sério. Acredito que essa postura é fruto da cultura machista enraizada na nossa sociedade”, conta Roberta.
E a observação da coordenadora de projetos da dbm Contact Center não é uma visão isolada. O que ela viveu na prática é confirmado por pesquisas. Segundo um levantamento da Yoctoo, consultoria de recrutamento e seleção especializada nesse segmento, 81% das mulheres já sofreram preconceito de gênero. E, de acordo com 63% das mulheres ouvidas pela pesquisa, é nas empresas onde o preconceito mais acontece. Para elas, o maior desafio é ter que provar sua própria competência técnica o tempo todo (82%).
O fato é que a sociedade desconhece grandes feitos tecnológicos realizados por mulheres ao longo da história, inclusive na área de tecnologia. O primeiro algoritmo a ser processado em uma máquina foi escrito por uma mulher, Ada Lovelace, em meados do século 19. Grace Hopper liderou a equipe que criou o primeiro compilador para linguagem de programação chamado Cobol. Já Hedy Lamarr inventou o sistema que serviu de base para os telefones celulares, apenas para citar alguns exemplos.
Falta de oportunidades para mulheres é barreira para o progresso
Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa McKinsey destaca que a baixa presença feminina no mercado de trabalho de tecnologia é fator limitante ao crescimento econômico. Afinal, não se pode mudar o mundo com menos da metade da população. A conclusão da McKinsey é que escola, família e sociedade devem atuar em conjunto para estimular o interesse das mulheres nas exatas.
Aliás, essa é uma das urgências no mercado brasileiro. De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), até o ano de 2024, o Brasil precisará de 420 mil profissionais de Tecnologia da Informação (TI). No entanto, são formados apenas 46 mil profissionais por ano. Como principais dificuldades, a Brasscom destaca, em primeiro lugar (49%), o preconceito de gênero dentro das empresas, seguido pela falta de representatividade feminina na área, como forma de inspirar mais mulheres a trilharem carreiras de tecnologia (48%), e a falta de oportunidades nos processos seletivos (39%).
Maternidade é mais um tabu
E não é apenas na área de TI que as oportunidades dadas para as mulheres podem refletir em bons resultados para a empresa. Há vários estudos que indicam que existem habilidades mais proeminentes nas mulheres, como a resiliência e a capacidade de atuar com multitarefas, o que faz diferença no dia a dia corporativo.
Melina Lass, sócia-diretora da dbm Contact Center, acredita que as responsabilidades das mulheres, com a dupla e tripla jornada, as ajuda a criar envergadura e as torna capazes de gerenciar, com destreza e facilidade, várias questões ao mesmo tempo. “Naturalmente, elas são dinâmicas e desenvolvem uma capacidade de adaptação. A inteligência emocional e a intuição mais intensa também fazem parte do perfil feminino, por isso elas têm uma facilidade maior para administrar conflitos. É claro que todas essas habilidades podem ser treinadas e os homens conseguem adquiri-las. Assim como as mulheres também podem desenvolver algumas características do perfil masculino para melhorar sua atuação no ambiente em que estão inseridas”, opina.
No entanto, na prática, há uma dificuldade por parte dos empregadores em enxergar esses atributos no público feminino, que enfrenta outro tabu: a maternidade ainda é vista pela sociedade como um empecilho para o desenvolvimento da carreira das mulheres. Esse estigma também é comprovado por dados científicos.
Uma pesquisa divulgada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) em 2017, chamada “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, feita com 247 mil mulheres, mostrou que metade delas perderam seus empregos após a gravidez. O estudo também constatou que as trabalhadoras que saem de licença-maternidade são demitidas em até 24 meses após o nascimento da criança. Já um outro levantamento, este realizado pelo InfoJobs, revela que 51% das mulheres já sofreram algum tipo de preconceito dentro do ambiente corporativo.
Esse fenômeno é chamado por pesquisadores americanos de “glass ceiling” (na tradução para o português “teto de vidro”) e é definido como uma barreira invisível que dificulta que as mulheres sejam promovidas para cargos importantes.
No entanto, as próprias mulheres, que vivem a maternidade na prática, acreditam que esse preconceito é fruto de uma visão distorcida dos patrões, que focam apenas nos períodos de ausência das colaboradoras durante a licença ou nos momentos em que elas precisam sair mais cedo do trabalho para levar o filho a uma consulta médica por conta de uma febre inesperada.
“Os empregadores precisam se conscientizar de que a mulher que vivencia a maternidade se torna uma profissional multitarefas, resiliente, empática e negociadora, que são os comportamentos, chamados de soft skills, muito valorizados hoje em dia”, diz Flavia Medina, gerente comercial da dbm Contact Center.
Para ela, a maternidade é uma lição inclusive para a carreira de gestora porque ensina para as mulheres a enxergar a tarefa de liderar de outro ângulo. “Quando nos tornamos mães, muitas vivências do mundo corporativo começam a fazer sentido. A maternidade revela uma força sobrenatural e nos ensina a dosar a emoção e a razão. Carregamos o instinto materno para o trabalho, nos tornamos mais pacientes e equilibradas, pensamos antes de dar uma resposta rude. Somos menos impulsivas e imprevisíveis. Damos colo em forma de apoio para a equipe e conseguimos transmitir tranquilidade mesmo em situações adversas. Somos treinadas para isso em casa, com nossos filhos. Por isso, as lideranças femininas estão mais aptas a equilibrar pessoas e processos. É uma pena que os homens não tenham essa graduação da vida que é a maternidade. Nenhum desafio é maior do que o desafio de ser mãe. Essa é a magia que surge no espírito da mulher pós-maternidade. Eu tenho uma filha de três anos e hoje posso afirmar que por trás de uma mulher bem-sucedida, de uma líder inspiradora, existe em mim uma força que eu desconhecia e que foi impulsionada pelo sentimento de mãe”, avalia Flávia Medina.
O depoimento da gerente comercial da dbm Contact Center ilustra o que diz a literatura especializada em liderança. Autores sobre o tema enfatizam que o líder não consegue deixar para fora o comportamento exercido na vida privada quando coloca os pés na empresa. “O líder que você é é a pessoa que você é. Dentro de cada um de nós está o verdadeiro significado e propósito de nossa existência”, diz um trecho da obra “Liderança shakti: O Equilíbrio do Poder Feminino e Masculino nos Negócios”, escrita por Nilima Bhat e Raj Sisodia.
E, ao observar as líderes mães por esse viés, percebe-se que comportamentos inerentes à natureza feminina são uma forma genuína de gerar lideranças dotadas da capacidade da escuta ativa, mais inspiradoras e empáticas. “O instinto materno é uma característica nata das mulheres e que extrapola a esfera da maternidade, propriamente dita: cuidar e se doar são atitudes que fazem parte da natureza das mulheres - até mesmo daquela que não são mães. E é essa força de proteção, esse instinto de leoa, no zelo por sua equipe e por todos os processos, que são o diferencial das mulheres na liderança”, finaliza Flávia Medina.