A emergência climática afeta a todos, mas não de forma igual. Em um contexto global de desigualdade no qual grupos vulneráveis são desproporcionalmente atingidos pelas consequências das ações humanas no planeta, as mulheres estão na linha de frente da crise.
Segundo relatórios da ONU, independentemente do setor em questão, cabe às mulheres carregar a maior parte do fardo causado pelas mudanças climáticas. Essa vulnerabilidade é resultado de uma série de fatores sociais, econômicos e culturais.
Aproximadamente 70% do 1,3 bilhão de pessoas vivendo em condições de pobreza no mundo são mulheres. Elas são ainda as chefes de família em 40% dos lares mais pobres em áreas urbanas. Em áreas rurais, predominam na força de trabalho mundial da produção alimentar (de 50% a 80%), mas dispõem de menos de 10% das terras.
Esse desequilíbrio de poder prejudica o acesso de mulheres a recursos, tecnologia e informações necessários para se adaptar à crise climática.
Embora ainda sejam incipientes os estudos focados nas consequências reais das mudanças climáticas nos direitos humanos das mulheres, a ONU demonstra uma preocupação cada vez maior com o tema. Além do preâmbulo do Acordo de Paris, que indica que os países devem levar em conta os direitos humanos em suas políticas climáticas, em 2018, a organização publicou a Recomendação nº 37, focada especificamente na realidade das mulheres nesse contexto.
Para elas, a crise ambiental apresenta uma ameaça a direitos essenciais, como à vida, à saúde e à moradia digna.
Chernor Bah, fundador do Children's Forum Network em Serra Leoa e cofundador da Purposeful, um centro africano de ativismo feminista, aponta para outras preocupações mais específicas.
"Em locais mais afetados por desastres ecológicos, há um aumento da violência doméstica, além de que mulheres estão entre as principais vítimas de conflitos resultantes das mudanças climáticas. Elas compõem, ainda, o maior grupo de pessoas deslocadas de suas terras como resultado das mesmas", diz Bah.
Além disso, a crise global afeta sua possibilidade de acessar recursos básicos, como água e alimentos.
"Em locais como Ásia, África e áreas rurais da América Latina, a escassez de água é um fator de risco especial para o gênero feminino", diz Lise Sedrez, professora de história ambiental na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Além de serem levadas a passar cada vez mais tempo na tarefa de busca de água, em locais distantes de seus domicílios, mulheres e meninas são expostas ao perigo de sofrer violência sexual ao longo do trajeto.
No Brasil, a escassez de água também é um dos principais efeitos das mudanças climáticas, e afeta as mulheres de formas diferentes.
"A disponibilidade hídrica está mais relacionada com a condição produtiva das famílias que vivem da agricultura de subsistência", afirma Alan Oliveira dos Santos que, por 13 anos, foi colaborador do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, no Vale do Jequitinhonha.
Para mulheres de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, a situação se torna ainda mais penosa.
"O quilombo do Gurutuba, onde vivo, no Norte de Minas Gerais, assim como tantos outros quilombos, é matriarcal", conta Edna Correia de Oliveira, presidente da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais. "Aqui, as mulheres são quem toma conta de praticamente tudo, principalmente da agricultura. E, com as mudanças climáticas, se torna cada vez mais difícil manter nosso estilo de vida tradicional."
Os quilombolas estão entre os grupos mais afetados pelas mudanças climáticas no Brasil. Contudo, suas demandas são ainda mais invibilizadas que aquelas das comunidades indígenas, que têm hoje uma articulação maior a nível nacional e internacional.
O que não significa dizer que o impacto sobre as mulheres indígenas seja menor.
"É importante dizer que nossos corpos, nossas vozes, nossos territórios estão sob forte pressão e ameaça", destaca Célia Xakriabá, professora e ativista indígena.
"O desmatamento das nossas florestas traz uma série de danos incalculáveis ao meio ambiente e também para a humanidade. Nós, mulheres, somos atingidas diretamente. Somos a extensão da terra: o que dói nela, dói em nós também", conclui.
*A reportagem foi produzida com apoio do Climate Tracker.