Não seria necessário um relatório da Polícia Federal para constatar que a madeira da floresta amazônica é objeto de desejo do hemisfério norte, como o governo brasileiro sugeriu ao ameaçar expor supostos compradores de toras extraídas de forma ilegal. Bastaria olhar para o que mostram a Quinta avenida, em Nova York, a avenida Princesa Grace, em Mônaco, ou o distrito Joordan, em Amsterdã, para ver a floresta – em pé e viva – nas vitrines.
Alguns dos corredores mais exclusivos da moda escancaram obras de arte, em formato de joias e pequenas bolsas marcadas pela fauna e pela flora do país, feitas com lascas de raízes descartadas pela natureza e sobras das movelarias. Elas ocupam parte nobre no imenso repertório de adornos vinculados à Amazônia desenhados pela designer paulistana Silvia Furmanovich, de 63 anos.
Neste ano, quando ela completa 20 anos à frente de seu ateliê, a joalheira de maior repercussão internacional e, ironicamente, pouco comentada no país, se firma como estandarte do luxo na preservação das reservas naturais, do resgate das pedras preciosas e da manufatura artesanal brasileiras, relegadas ao esquecimento, neste século, pelas máquinas de produção em série.
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É que, além de ter dado ao Brasil o marco de se enxergar em nove vitrines de um dos templos do consumo nova-iorquino, a Bergdorf Goodman, ela foi a primeira esteta da moda brasileira a ganhar um livro sobre sua obra, pela editora Assouline –só a H. Stern conseguiu o feito.
"Silvia Furmanovich. Art, Nature and Adornment" é um farto tratado escrito e ilustrado sobre a artista, incensada por críticos do Wall Street Journal e do New York Times - este último descreve seu trabalho como um contraponto às ameaças, hoje confirmadas, de reversão das políticas de proteção ambiental do país.
Os anéis (ou seriam amuletos?), os brincos (ou seriam animais vivos?) e os braceletes construídos com bambu que parecem simular o emaranhado de galhos de quem, na floresta, olha para o céu, são sopapos elegantes nos negacionistas do desmate e na própria joalheria clássica.
Se ainda persistem a febre dos chamados solitários de diamantes, do tipo anel de noivado, e as formas minimalistas da última década, com linhas que parecem preencher colos e orelhas com maquetes gráficas desenhadas no computador, Furmanovich relega as pedras a um papel coadjuvante.
Elas estão ali, como nos citrinos, turmalinas, esmeraldas e rubelitas brasileiras, mas são as lascas de madeira unidas em marchetaria confeccionada com artesãos de Cruzeiro do Sul, no Acre, liderados pelo reconhecido mestre Maqueson Pereira, o ponto de ruptura entre ela e o resto do mundo.
Da mesma forma como quando foi buscar em Beppu, no Japão, a técnica de retorcer os pedaços de bambu sem os quebrar para, depois, fundir a eles referências japonesas e brasileiras na recente coleção "Amazonia Bamboo", sua machetaria acreana assume formas sinuosas como as ondas do rio.
Cada pássaro, árvore e flor são, na verdade, mosaicos minuciosos dessas lascas de árvores. Suas cores não são de tinta, mas frutos de fervura na madeira que garantem a alardeada, ainda que impossível, eternidade das joias. Nem os diamantes, os especialistas no assunto sabem, são eternos.
E os brilhantes também não são o brilho de seu trabalho, porque, além de ela preferir procurar minas perdidas, como uma no Piauí de onde diz ter colhido o resquício das opalas "depenadas por australianos nos 1970", eles ainda são vinculados ao submundo podre do extrativismo mundial.
"Diamantes não são raríssimos. Isso é um mito vendido pelos monopólios que detêm o controle das minas. Uso pontualmente, porque assim como o ouro, são muito difíceis de ser rastreados por completo desde sua origem. Por isso tenho receio de me rotular sustentável, porque o mundo das joias, por mais transparente que tente ser, é cercado de mistério", diz Furmanovich, que ainda lamenta o fato de a extração ter acelerado no mundo num ritmo de "loucura".
Quem olha seu semblante plácido emoldurado pelas mechas loiras e, na visita do repórter a seu ateliê na Vila Madalena, em São Paulo, combinado ao branco alvejado da roupa, nem imagina que essa descendente de italianos, vinda de uma família de ourives e habituada ao trânsito da "high society" paulistana, se divide entre canoas e aviões para descobrir o que grandes grifes desprezam.
"Minha clientela é muito diversa, mas sei que não são todas as mulheres que entendem o que faço. Parte delas usa joias para combinar com a cor da roupa, mas tudo bem, quero criar para todas", diz, rindo.
Não para todo mundo, claro. Ainda que as bolsas de madeira girem em torno de R$ 15 mil, os adornos que fazem a festa da crítica especializada passam facilmente dos cinco dígitos. De dólar.
A última colaboração da joalheira, lançada nesta semana, foi com a fornecedora de esmeraldas colombianas Muzo, que convidou a marca dela e outras nove grifes, dentre as quais a francesa Colette, para criar joias artísticas. Um único par de brincos sai por US$ 45 mil, algo bem além de R$ 200 mil.
Valores, no mundo exclusivo das pedras, não são impeditivo. A fama internacional - e, talvez, também os valores - fez mais da metade de sua clientela ser estrangeira, numa lista que engloba de atrizes de cinema como Gwyneth Paltrow a xecas árabes frequentadoras das vitrines estreladas.
Muitas delas provavelmente vão acompanhar o próximo projeto de Furmanovich, mantido sob sigilo, mas que deve se tratar de uma espécie de instalação dentro da butique Asprey, uma das poucas no mundo que levam o crivo e o selo da Coroa britânica.
No próximo ano, ela deve levar para dentro do espaço fincado na tradicional rua Bond, aberto desde 1781, peças de mobiliário, bolsas e, claro, joias, que remetem à Amazônia. A ideia é chamar a atenção sobre a floresta e sua preservação, no que pode ser lido como crítica velada à recente escalada de fogo na região.
Seria possível, então, que a madeira queimada virasse arte vestível? Furmanovich ri, e desconversa. "É, é uma ideia."