Já leu o horóscopo de hoje? E a carta de tarô? Se nem um nem outro, a moda pode ter uma mensagem para dar. De tanto costurar signos, astros, constelações e ícones dos baralhos místicos, os estilistas parecem mais inclinados ao ofício de oráculos que de arquitetos do guarda-roupa.
Um trânsito astrológico tão duradouro quanto se acredita ser o de Saturno pousou nas passarelas e nas araras dos últimos cinco anos jogando luz sobre o oculto segundo marcas tão diferentes quanto Gucci e Balmain. Seu auge, no entanto, ocorreu no final de janeiro, quando a grife francesa Christian Dior apresentou uma coleção de alta-costura inteiramente dedicada ao tarô.
O filme do cineasta italiano Matteo Garrone, que ilustrou as ideias da estilista Maria Grazia Chiuri na temporada mais recente de desfiles virtuais, trouxe a aura mística intrincada ao jogo, com roupas de estilo renascentista nas quais foram aplicadas referências às cartas da Papisa, da Justiça e do Louco.
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Despertar a feminilidade, ser consciente nas decisões e encarar os desafios, nesta ordem, resumem os conselhos dessas cartas usadas pela grife para justificar capas acetinadas com bordados astrológicos, longos plissados e conjuntos de alfaiataria adornados com espécies de mandalas.
Se tudo parece uma grande elucubração típica de quem tem o sol em Aquário como indica o mapa astral de Chiuri, vale notar que esse caso de moda romântica bem marcado em cartas de tarô não é obra do acaso e nem estava "escrito nas estrelas”.
Num momento em que o mundo se agarra ao divino para explicar o mal-estar do tempo e tenta buscar nos astros alguma previsibilidade sobre a vida em meio às incertezas do futuro provocadas pela pandemia, o interesse pelo misticismo volta a pautar a costura na esteira de um boom sobre o assunto.
Na lista dos podcasts mais ouvidos do Brasil no ano passado segundo a plataforma de streaming Spotify, por exemplo, consta em primeiro lugar o "Horóscopo do Dia", logo à frente do diário Café da Manhã, produzido pelo jornal Folha de S.Paulo. Emoção e razão, nesta ordem, estão refletidos ali e também no sentimento das pessoas que a moda tenta reproduzir.
"As cartas podem ajudar a não ter medo de algo que você não conhece, que está tão inseguro”, disse Chiuri à imprensa internacional para explicar as motivações místicas da coleção que já é um dos seus maiores sucessos de crítica à frente da casa.
A estilista já havia testado a ideia antes, em 2017. À época, ela se apoiou no resgate da história de que o próprio Christian Dior, antes de abrir sua marca nos anos 1940 e quando ainda era galerista de arte, teria ouvido previsões de uma cartomante sobre a fortuna que conquistaria pelas mãos das mulheres.
É sabido também que Coco Chanel não fazia nada sem a consulta de sua taróloga, e as cartas do baralho que usava ainda pousam sobre a mesa de seu apartamento em Paris mantido pelos donos da grife.
Uma de suas maiores rivais da costura, porém, levou primeiro o oculto para a mesa de corte. Foi Elsa Schiaparelli quem colou no corpo da elite cultural europeia, no final dos 1930, sua coleção "Zodíaco".
A coleção da estilista foi pioneira ao explorar um tema até então visto com reticência pela indústria da moda e serviu como espécie de ponto final da extravagância estética que antecedeu o período de restrições da Segunda Guerra.
A constelação Ursa Maior combinada à simbologia dos signos bordados na chamada jaqueta Zodíaco foi fundamental na construção do imaginário sobre Schiaparelli, uma esteta que firmou com sua obra a aproximação da costura com o movimento surrealista. A famosa coleção chegou a ser reeditada em 2016 pela marca e, claro, copiada pelas cadeias de fast fashion.
Coincidência ou não, foi nesse mesmo ano que as redes sociais passaram a registrar um aumento significativo na procura de temas vinculados à astrologia. Segundo dados da consultoria americana especializada em métricas para vídeos digitais, a Tubular Labs, o Youtube acompanhou em 2016 e 2017 uma escalada de 67% na busca pelo termo, enquanto no Facebook a escalada foi de 116%. No Twitter, foi de 300%.
É para copiar números de vendas tão expressivos quanto esses que o horóscopo entra em cena mais uma vez, só fora das linhas ocidentais. No ano passado, a Gucci, sob o comando do estilista Alessandro Michele, lançou uma coleção especial dedicada ao Ano-Novo lunar, marcado sempre por um dos 12 animais do horóscopo chinês.
Naquele ano do rato, foi o Mickey da Disney que ganhou releituras pop em bolsas e roupas da marca. Neste, no qual se comemora o boi, a italiana Fendi e a inglesa Burberry entraram na onda astral para lançar acessórios com detalhes em vermelho, tal como é a bandeira chinesa, e a própria imagem do animal estampada nas peças.
Vale lembrar que é do lado de lá do planeta onde os astros estão melhor alinhados para girar o caixa das grifes, com um mercado de luxo pujante e jovem que não dá sinais de cansaço mesmo com uma pandemia em curso.
Somado ao fato de que o consumo por conteúdo celestial é puxado pelos millennials, como indicam os gurus das métricas, e –de acordo com dados da consultoria Bain & Company, são esses mesmos jovens na faixa dos 30 anos os responsáveis por 35% das vendas globais de luxo– não é preciso bola de cristal para analisar esse céu.
O interesse da moda pelo oculto está menos para trabalho de adivinhação e mais para ciência exata, que nem um trânsito de Mercúrio retrógrado, um dos mais temidos por quem costuma olhar para cima pelo suposto potencial de provocar atrasos e incidentes, poderia abalar.