Desde pequeno, Tom Almeida, 49, ouvia da mãe que ela ia morrer. Durante a infância, o Natal era uma época melancólica, uma vez que o medo de perder os pais, que tiveram o filho mais velhos, era constante.
"Minha mãe carregava isso porque perdeu os pais muito nova e achava que o mesmo aconteceria com ela", diz. "Eu adorava o Natal, mas chorava muito. Olhava para os meus pais e pensava que eles não tinham morrido e temia que isso acontecesse no ano seguinte."
Medo e dor são sentimentos constantemente associados ao fim da vida. É com eles que Almeida recorda a partida da sua mãe, aos 84 anos. "Ela morreu sem conversarmos, fomos reféns do processo todo", diz, referindo-se aos procedimentos médicos invasivos aos quais sua mãe foi submetida, como intubação. "Senti falta de poder fazer algo".
Leia mais:
Aline Wirley e Igor Rickli apresentam filhos adotivos ao público
PRE reforça a obrigatoriedade de cadeirinha e assento elevado para crianças
Confira 5 dicas para evitar acidentes domésticos com crianças nas férias
Casal de Sarandi adota irmãos e vídeo do encontro da família viraliza nas redes sociais
Depois da mãe, ele perdeu o pai e o primo em um curto espaço de tempo. Após essas experiências, Almeida deixou de lado o mundo corporativo e, desde 2017, se dedica a atividades que promovam conversas sobre envelhecimento, cuidados paliativos, morte e luto.
Por meio dos projetos, ele tenta melhorar a forma como as pessoas enxergam o processo de morte. "Hoje, a sociedade vê como algo de que não quer chegar perto", explica. "Meu papel é permitir outros sentimentos, como amor, intimidade, pertencimento e orgulho". Um dos projetos dele é o Festival Infinito, que acontece neste sábado (3) e domingo (4).
Na terceira edição, o evento acontece de forma online, devido à pandemia, e trata sobre o viver e o morrer por meio de conversas com especialistas internacionais, como o escritor Andrew Solomon, ou brasileiros, como o criador da Turma da Mônica, Mauricio de Sousa.
Em meio à crise sanitária que matou mais de 140 mil brasileiros, Almeida considera que seu trabalho ganhou relevância. "Eu pedia para falar [sobre a morte] e as pessoas não queriam. Ajudou a não ter que convencer da importância", conta ele, que durante a pandemia, viu dobrar o seu número de seguidores nas redes sociais.
Ao mesmo tempo que Almeida notou um crescimento no interesse pela temática, a Covid-19 trouxe desafios às famílias com doentes, uma vez que o vírus impossibilitou velórios ou rituais de passagem.
Pensando nisso, Almeida desenvolveu um Guia de Rituais Virtuais. "É uma forma de tornar o processo um pouco menos doloroso para que traga mais conforto", explica ele. A plataforma auxilia na organização de uma cerimônia e também oferece profissionais que podem ser contratados, como cerimonialista e terapeutas especializados em luto.
O americano Michael Hebb, 44, é uma das inspirações de Tom Almeida e participante do festival Infinito. Ele é fundador de uma plataforma que promove jantares nos quais se conversa sobre a morte.
Na pandemia, Hebb também criou um roteiro a fim de auxiliar familiares e amigos a lidarem com seus entes internados em meio à Covid-19, com dicas de como dar mais conforto aos pacientes e até de como celebrar suas vidas.
"O coronavírus só realça a importância de falar sobre o processo da morte, ao qual todos estamos expostos", analisa Hebb, que enumera alguns medos na pandemia, como de morrer sozinho e o luto silencioso, já que cerimônias com aglomerações não são recomendáveis no atual cenário.
Ele recomenda àqueles que perderam alguém nos últimos meses que criem uma espécie de altar em algum local da casa para poder pensar no impacto que aquela pessoa teve na sua vida.
"É uma tradição antiga e uma forma de cura emocional", explica ele, que também recomenda que as pessoas planejem um funeral para o futuro. "A cerimônia próxima à data da morte é importante, mas pode ser feita depois, para honrar alguém."
A seu ver, a pandemia só evidenciou a importância de traçar um plano para o fim da vida, que inclua cuidados paliativos, invasivos ou mesmo rituais. "Especialmente durante a Covid-19, em que as pessoas são intubadas e impossibilitadas de comunicar seus últimos desejos", frisa.
O especialista conclui que passamos por um tempo em que estamos expostos, mais do que nunca, às nossas fragilidades. Mas este é também, diz, "um momento extraordinário para ser humano".
"As melhores coisas vêm em crises. Isso não significa que não haja perda e dor, mas torna as pessoas mais conscientes."