Avaliar se a via de parto tem influência na percepção e comportamento do recém-nascido frente à dor. Este é o principal objetivo de pesquisa desenvolvida por Esther Ferreira, docente do Departamento de Medicina (DMed) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pediatra e especialista em reumatologia pediátrica, a docente realiza o estudo "Avaliação da dor em recém-nascidos e lactentes nascidos de parto vaginal e cesáreo durante injeção intramuscular" no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Anestesiologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu (SP). O trabalho conta com a parceria do docente Guilherme Barros, da Unesp, e com a participação de graduanda em Medicina da UFSCar.
Para desenvolver o estudo, o grupo da pesquisa acompanha 80 crianças (40 nascidas de parto vaginal e 40 de cesárea) em dois momentos em que os bebês são submetidos à dor aguda em igual intensidade e dosagem - aplicação da Vitamina K por injeção intramuscular ao nascer (1ª fase) e aplicação da vacina contra meningite aos três meses de vida, também por via intramuscular (2ª fase). Nas duas fases, os pesquisadores fazem três avaliações nos bebês, sendo a primeira antes do estímulo de dor, a segunda logo após o estímulo e a terceira feita em 10 minutos após a injeção intramuscular.
Durante as duas fases de análise, os pesquisadores utilizam três escalas de dor validadas na literatura para os períodos específicos avaliados na pesquisa. "Além das avaliações para a nossa pesquisa, também realizamos exames físico e neurológico e tiramos a medida encefálica para nos certificarmos do desenvolvimento adequado dos bebês. Caso alguma criança apresente alguma anormalidade, damos o encaminhamento necessário", afirma Esther.
A pesquisa começou em maio de 2016 e tem previsão para acabar no final do primeiro semestre de 2018. Até o momento, a pesquisadora aponta que as análises iniciais demonstram que os bebês nascidos por parto vaginal mostram-se mais preparados para a dor. "É como se a dor fosse mais fisiológica para as crianças que nasceram por parto vaginal.
Elas estão mais calmas antes da injeção e ao receber o estímulo elevam a escala de dor e depois voltam a se tranquilizar. As crianças que vieram por cesárea demonstram menos alteração na reação aos estímulos de dor. Elas se mantém estáveis antes, durante e depois do estímulo (ou seja, se estão agitadas ou calmas continuam dessa forma mesmo com o estímulo). Elas também sentem a dor, mas mostram-se menos reativas", relata a pesquisadora.
Esther afirma que ainda é preciso finalizar o estudo para apontar suas reais conclusões, mas explica que, provavelmente, os bebês nascidos por parto normal tendem a reconhecer a dor mais fisiologicamente pela liberação de diversas substâncias durante o parto. "As crianças que nascem por parto vaginal sentem mais dor, mas durante o parto são liberadas substâncias, como o cortisol, por exemplo, que a preparam para a dor, o que não acontece na cesárea", esclarece a pesquisadora.
Ao fazer a avaliação na segunda fase, quando os bebês estão com três meses, a professora aponta que o comportamento das crianças frente à dor pode apresentar mudanças em relação à primeira fase, mas a tendência é que os bebês que nasceram por parto vaginal saibam lidar melhor com a dor. "É como se esses bebês memorizassem a experiência dolorosa de alguma forma", aponta a docente da UFSCar.
Para Eshter Ferreira, além do objetivo principal do estudo, a pesquisa levanta uma temática importante e que deve ser debatida. "A dor neonatal existe e está comprovada. Ao fazer uma ressonância magnética funcional, por exemplo, 20 pontos de dor são estimulados em um adulto, e nos recém-nascidos 18 desses mesmos pontos também são estimulados, confirmando que os bebês sentem dor sim e devem ser respeitados por isso", comenta a professora.
Esther garante que vários procedimentos podem utilizados para diminuir a dor nos bebês ou acalmá-los em situações de dor. "Temos opções não medicamentosas para o controle da dor, como o uso de soluções de açúcar que podem ser usadas antes da vacina para tranquilizar o bebê, e o método canguru, que permite o contato pele a pele entre mãe e bebê e que também acalma muito a criança, principalmente aquelas que estão internadas", afirma a pesquisadora.
Nesse contexto, Esther acredita que os resultados da sua pesquisa podem também despertar para a alteração de alguns procedimentos que são obrigatórios no pós-parto no Brasil. "Podemos, por exemplo, dar a Vitamina K para os recém-nascidos por via oral, e não mais injetável; podemos fazer a profilaxia ocular usando um colírio que não arda tanto os olhinhos dos bebês e já existem opções disponíveis no mercado; dentre outras ações", aponta. Além disso, ela acredita que o resultado da pesquisa pode ser mais um estímulo para médicos e gestantes optarem pelo parto vaginal.
Os estudos sobre a dor em recém-nascidos são muito recentes e pesquisas mais completas surgiram no final da década de 1990, no exterior. Esta pesquisa conduzida pela docente da UFSCar é pioneira ao comparar as escalas de dor em crianças ao nascer e aos três meses de vida. "Nosso estudo é o primeiro a avaliar a dor dos bebês, comparando as escalas validadas e coletando os dados do mesmo bebê, quando é recém-nascido e com três meses, idade que é um marco importante no desenvolvimento neurológico na vida da criança", explica a pesquisadora.
A próxima etapa da pesquisa é finalizar a coleta das informações, iniciar a tabulação dos dados e fazer uma nova revisão bibliográfica. Os resultados finais serão apresentados em 2018, mas a temática já será abordada em um novo estudo conduzido por Esther Ferreira, junto com alunos do curso de Medicina da UFSCar. "Vamos dar continuidade ao nosso trabalho e queremos entrevistar as mães na maternidade para compreender o que elas pensam e entendem sobre a dor de seus filhos", conta a docente. O projeto para a nova pesquisa já está pronto e agora vai passar pela aprovação do comitê de ética da UFSCar.