Alguns bebês, desde o nascimento, precisam de tratamento diferenciado, em unidades de terapia intensiva (UTIs) neonatais, o que inclui a utilização de tecnologias de última geração responsáveis por garantir sua sobrevivência nos primeiros dias ou meses de vida. Como tornar esse cenário de intervenções cirúrgicas e aparelhos, repleto de luzes e ruídos estressantes até para os adultos, mais humano e propício ao desenvolvimento físico e emocional das crianças? Pensando nisso, o Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), por meio do projeto Biblioteca Viva em Hospitais e do Departamento de Neonatologia, criou o projeto Leitura para recém-nascidos em berçário de alto risco, pioneiro no país. E a iniciativa, que completa agora cinco anos, tem se revelado bem-sucedida.
O IFF, por meio do projeto Biblioteca Viva em Hospitais e do Departamento de Neonatologia, criou o projeto Leitura para recém-nascidos em berçário de alto risco, pioneiro no país.
A pedagoga e coordenadora do Biblioteca Viva, Magdalena Oliveira, conta que resistiu à ideia de levar a leitura para os bebês internados porque ainda buscava bases teóricas que tratassem de seus benefícios para esse segmento. "Depois de me aprofundar no tema, concluí que o vínculo e a estimulação precoces enriqueciam o relacionamento mãe e filho, e que esses elementos poderiam vir também por meio da literatura", ressalta Madá, como é carinhosamente conhecida.
A cumplicidade de alguns profissionais da unidade, como a neonatologista Olga Bomfim, funcionou como motor para iniciar o trabalho. "A prática já permeava grande parte do hospital e, embora não existisse um modelo de leitura dentro de uma UTI neonatal, esta seria uma oportunidade de oferecer outro aspecto de interação com o recém-nascido e sua família. Todo bebê depende de estímulo, mesmo que não seja prematuro e não esteja internado. Por isso, todas as possibilidades de impulsionar seu desenvolvimento e dar carinho, atenção e cuidado devem ser aproveitadas", lembra a médica, uma das principais incentivadoras do projeto.
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O papel dos voluntários também foi e continua sendo fundamental para o sucesso da iniciativa. A jornalista Ana Lins, uma das primeiras pessoas a fazer leituras na UTI neonatal do IFF, fala com carinho dessa atividade. "Leio para os bebês desde que começou o projeto. Houve várias situações em que senti que eles ficaram confortáveis com a minha voz, em que conseguimos estabelecer uma troca. Eu sempre saio muito feliz, pois aqui a gente dá o que tem de melhor, aqui a gente está inteira", relata. Para a professora aposentada Lúcia Carrilho, que há cinco anos atua no Biblioteca Viva, o maior desafio de ler para bebês é que o público não escolhe o que quer ouvir. "O voluntário seleciona o livro pela intuição. Eu, por exemplo, adoro ler poesia para os bebês", explica. Uma das características mais instigantes desse trabalho é que não existe rotina. "Cada dia é uma descoberta, uma emoção diferente", aponta Ana.
Atualmente, a leitura para recém-nascidos já integra o dia-a-dia do IFF, recebendo o apoio de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e das famílias das crianças internadas. Cinco vezes por semana, nove voluntárias leem nos berçários de alto risco e intermediário (uma espécie de "pré-alta") do Instituto. Cada uma delas registra, por escrito, suas impressões diárias. As observações geram relatórios qualitativos sobre o impacto que a leitura causa nesses pacientes tão especiais. "À medida que os adultos perceberam o interesse dos bebês, esse momento passou a fazer parte da rotina. Agora tudo acontece em perfeita integração. A leitura faz parte do nosso cotidiano e caminhamos na perspectiva do cuidado ampliado, integrando pessoas, procedimentos e ações importantes para o desenvolvimento do recém-nascido com qualidade", afirma Olga Bomfim.
A iniciativa também alcançou visibilidade nacional. Em 2007, foi indicada ao Prêmio Vivaleitura, promovido pelo Ministério da Educação, Ministério da Cultura e organizações internacionais de educação e patrocinado pela Fundação Santillana. Ficou entre os cinco finalistas em sua categoria, destinada a sociedades, ONGs, pessoas físicas, universidades/faculdades e instituições sociais. A coordenadora do Biblioteca Viva acredita que, mesmo carente de pesquisas que avaliem seus resultados, a leitura na UTI neonatal tem conseguido atingir seu objetivo principal, isto é, transformar a experiência da internação num processo menos doloroso e mais aconchegante, colaborando para o fortalecimento do vínculo dos bebês com suas famílias.
Ao longo desses cinco anos, centenas de recém-nascidos foram beneficiados pelas sessões de leitura e alguns deles, que cresceram e retornam ao IFF periodicamente para consultas, tornaram-se frequentadores assíduos do espaço destinado ao projeto – uma simpática e colorida salinha situada no segundo andar do prédio hospitalar. As crianças fazem da leitura seu entretenimento preferido enquanto aguardam o atendimento nos ambulatórios do Instituto.
Kaio Pinto parece não ter esquecido o contato inicial com a literatura, quando esteve internado na UTI neonatal do IFF em seus primeiros dias de vida. A mãe dele, Altacy Mendes, lembra que, na primeira vez em que a voluntária perguntou se podia ler para o seu filho, ela indagou, incrédula: "E ele entende alguma coisa, moça?" Mas o menino ficou com os olhos grudados no livro e a impressão foi de que ele prestava atenção à história lida. Hoje, aos 4 anos, ele é prova de que a leitura para recém-nascidos alcançou horizontes mais amplos do que a meta inicial, estreitando vínculos familiares e formando crianças que gostam de ler. Pelo menos uma vez por mês, Kaio volta ao Instituto para consultas de acompanhamento. Ao chegar, ele mesmo procura a salinha de leitura. "O que mais tenho em casa é livro. Comprei a coleção toda daquele escritor famoso, o Monteiro Lobato. E o chão do meu quarto é cheio de livros. O Kaio escolhe o que ele quer ouvir e pede: ‘lê pra mim?’", relata Altacy, orgulhosa do seu pequeno e ávido leitor.