Mercado em pauta

Saúde não tem preço, mas tem custos

04 nov 2006 às 11:00

Gestores unem forças e exigem novo modelo de saúde, com redução de impostos, parceria com o governo e comprometimento de médicos, instituições, pacientes e operadoras de saúde para a redução de custos e aumento da qualidade dos serviços prestados

Ao contrário do que prevê a constituição, os hospitais privados são os principais prestadores de serviço de saúde, atualmente, no Brasil. O País conta hoje, segundo o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), com 7543 hospitais, sendo que 2745 são públicos e 4671 são privados.

Apesar de muitos hospitais privados também atenderem ao SUS (Sistema Único de Saúde), a grande maioria foca sua atenção apenas no público pagante de convênios ou particulares, que representa apenas 20% da população brasileira.

Essa informação foi divulgada durante o 7° Fórum da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), entidade que agrega 34 hospitais que podem ser considerados os melhores hospitais privados do Brasil. Para fazer parte da associação, o hospital deve ser acreditado com o padrão de excelência exigido por órgãos certificadores, como a JCI (Joint Comission International) e a ONA (Organização Nacional de Acreditação).

O evento reuniu mais de 300 gestores de saúde e contou também com debates envolvendo representantes de todos os lados da cadeia produtiva do setor – médicos, instituições de saúde, operadoras de saúde, agências reguladoras e pacientes.

Interessados apontam soluções, mas não chegam a consenso


O objetivo do Fórum da Anahp era buscar soluções para o caos em que vive o sistema de saúde brasileiro. Estudos realizados na Califórnia apontam que os Estados Unidos investiram 16% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com saúde. Em 1950, esse número correspondia a apenas 5%. E a estimativa é que até 2050, o setor consuma 30% dos recursos. Já no Brasil, são investidos entre 6% a 7% do PIB em saúde, divididos entre os setores público e privado. A estimativa é que se o cenário econômico se mantiver, em 2025 esse número chegue a 12%.

Os participantes expuseram seus pontos de vista, mas cada um defendeu o seu segmento de atuação, sem chegar num consenso sobre quem deve ceder primeiro. Afinal, não é tarefa fácil conciliar os interesses de 7.543 hospitais, sendo mais de 60% privados, 2090 operadoras de planos de saúde e mais de 310 mil médicos. Isso sem falar nos pacientes, classe que deveria ser representada por toda a população brasileira – inclusive os próprios médicos e gestores da área da saúde.

Os representantes das operadoras de saúde exigiram maior economia e sintonia por parte dos médicos e hospitais, maior eficiência dos profissionais, menor desperdício por parte dos pacientes, além de uma padronização de procedimentos e custos entre as instituições.

Por outro lado, os hospitais criticam a atuação das operadoras de saúde: "os hospitais estão submissos - estamos recebendo ordens das operadoras lesivas aos interesses de nossas instituições, reagindo isoladamente ou em pequenos grupos e, com isso, cedendo grandes espaços", explica Cláudio Seferin, diretor superintendente do Hospital Mãe de Deus (RS).

Seferin afirma que as operadoras de planos de saúde buscam baixar custos referenciando redes de serviços por menor preço. "Isso pode ser fatal para o segmento", ressalta. Gestores hospitalares e representantes da classe médica também criticaram a ausência de regras claras entre as operadoras, prejudicando muitas vezes o segmento da população que mais cresce em todo o mundo: a terceira idade.

Outra acusação às operadoras é a falta de respeito ao profissional da saúde. Segundo o vice-presidente da ANAHP, Adriano Londres, há dez anos, foi feito um levantamento de quanto custava uma consulta médica. As operadoras chegaram a um valor equivalente a R$ 29,00. De acordo com a inflação, essa remuneração hoje deveria estar entre R$ 60,00 e R$ 65,00. Porém, o panorama atual é outro: um médico brasileiro é reembolsado com R$ 30,00, em média, por consulta, pelas operadoras de saúde.

Já para o presidente da Confederação Nacional de Saúde, José Carlos de Souza Abrahão, um dos fatores que mais contribuíram para o sucateamento da saúde brasileira é a falta de qualificação dos médicos. "O Brasil possui o maior número de escolas de medicina em todo o mundo – e isso é muito preocupante, pois a realidade reflete interesses políticos e não a necessidade da população", argumenta. "As faculdades de medicina estão jogando no mercado profissionais despreparados", ressalta Abrahão.

Além do despreparo na graduação e da falta de reciclagem profissional devido à concorrência acirrada no mercado e à falta de tempo (já que grande parte dos médicos brasileiros trabalha em mais de um emprego para sobreviver), os profissionais da saúde vivem um grande dilema, depois do domínio das operadoras de saúde no setor.

De acordo com o presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), Jorge Carlos Machado Curi, o Brasil vive hoje um período de "judicialização da saúde", com o aumento alarmante das demandas judiciais. Ele explica o fator com dois motivos principais: o primeiro é o excesso de especialização dos médicos. "Um bom especialista deve ser, antes de tudo, um grande generalista", defende.

Além disso, Curi aponta o dilema ético em que os médicos vivem atualmente: "eles devem escolher entre prestar um atendimento de excelência ao paciente ou ceder às pressões das operadoras, que ameaçam os médicos ‘improdutivos’ com o mecanismo de descredenciamento", afirma.


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