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Eu custei a aceitar isso.

31 dez 1969 às 21:33
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EU CUSTEI A ACEITAR ISSO.

Língua e linguagem têm significados distintos: língua é o conjunto das palavras
e expressões usadas por uma nação e o conjunto de regras da sua gramática; é
o mesmo que idioma. Já linguagem é tudo o que serve de meio de comunicação
entre os indivíduos e que pode ser percebido pelos diversos órgãos dos sentidos
– linguagem visual, auditiva, tátil, etc. A linguagem, portanto, encontra-se num
território de liberdade irrestrita, ou seja, cada cidadão tem o direito de falar
como bem entender.
A GRAMÁTICA QUE SE DANE!
Que se descabelem os professores de Português na tentativa de manter a
língua intocada, inclusive eu! A população é implacável, pois inventa os falares
mais diversos, desprezando a velha gramática normativa e tratando-a com
desdém. "A gramática que se dane! – diz o branco, o mulato e o negro
brasileiros – Quero mais é me comunicar do jeito que me é mais gostoso!" E
como é bonito o falar brasileiro! A nossa espontaneidade – que desengessa a
língua-padrão e a moderniza – embeleza o idioma, pois lhe dá caráter gozoso,
já que é usado com prazer, principalmente as gírias e as expressões que caem
no gosto da população.
FISCAL DA GRAMÁTICA
Claro que eu gostaria de que a língua-padrão fosse respeitada sempre, mas
isso é impossível. Quando eu era um jovem professor de Português lutei por
isso e transformei-me num Fiscal da Gramática. Hoje, porém, quinquagenário,
percebo que é inútil tentar cristalizar a língua. Hoje continuo alertando para o
que é "certo ou errado" na língua-padrão, mas com o objetivo de incentivar os
cidadãos a usarem a gramática a fim de que se desenvolvam intelectualmente
e, assim, comuniquem-se mais adequadamente, aumentando suas chances de
se evoluírem no mercado de trabalho e de terem relacionamentos mais
proveitosos.
VERBO CUSTAR
Em determinado momento, os falares inventados pela população ganham direito
de se incorporarem na língua oficial, transformando-se em modo adequado de
dizer. É o que pretende o verbo custar. Diz a gramática normativa que
este verbo tem os seguintes significados e usos segundo o Dicionário prático de
regência verbal, de Celso Pedro Luft, editado pela Editora Ática:
O verbo custar pode significar o seguinte:

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- ser adquirido por determinado preço ou valor;
- ser conseguido ou obtido à custa de algo;
- acarretar consequência, causar, ocasionar;
- ser difícil, doloroso, trabalhoso ou custoso.

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É usado da seguinte maneira:

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- o que é adquirido ou conseguido ou o que acarreta a
consequência
ou ainda o que é difícil, doloroso é o sujeito do verbo;
- quem adquiriu ou conseguiu algo ou a quem a consequência é
acarretada
ou ainda a quem algo é difícil, doloroso é complemento
verbal que exige a preposição a – esse complemento pode ser também
representado por me, te, lhe, nos, vos, lhes. O complemento verbal pode
não aparecer claramente na oração. Por exemplo:


- O relógio me custou R$1.200,00;
- Essa casa custa R$500.000,00;
- Viver hoje custa os olhos da cara!;
- A vitória custou-lhes meses de treinamento e sacrifícios;
- Isso pode custar a sua vida!;
- A leviandade custou-lhe muito remorso;
- A precipitação custou-lhe sérios prejuízos;
- Custa corrigir velhos hábitos;
- Custou-lhe crer na notícia.

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Na construção custar + infinitivo, a oração infinitiva é o sujeito de
custar, por isso este fica na terceira pessoa do singular (custa, custou,
custava, custará...).


No Brasil, surgiu, no séc. XIX, uma inovação sintática considerada inadequada
pelo padrão culto da língua até hoje: a construção alguém custa a fazer
algo
, sendo alguém o sujeito do verbo custar, cujo significado
é ter dificuldade, trabalho, desgosto ou demorar, tardar. Por
exemplo:

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- Seixas custou a conter-se (José Alencar);
- As moças custaram a se separar (Clarice Lispector);
- Renato custou a acordar (Drummond);
- Custas a vir e, quando vem, não te demoras (Cecília Meireles).


Essas construções, apesar de bastante antigas ainda não são bem vistas pelos
gramáticos tradicionais. Os livros escolares ainda relutam em oficializar tal modo
de falar:


- Custou-me aceitar a situação é o que a gramática preceitua, mas, no
dia a dia, os brasileiros dizem Eu custei a aceitar a situação.

Ainda não incorporei isso ao meu linguajar e recomendo que não se use, a não
ser na linguagem cotidiana, solta, livre, mas está difícil continuar a resistir. O
uso é tão constante que não há brasileiro que não a use e que não a julgue
adequada. É o inadequado se tornando oficial. É a vontade da população
sobrepujando a vontade dos gramáticos. É a dinamicidade da língua.


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