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"Atire no dramaturgo"

18 dez 2009 às 16:40
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"ATIRE NO DRAMATURGO"


Não conheço pessoalmente o dramaturgo Mário Bortolotto. Sei quem ele é; cumprimentamo-nos discretamente quando nos encontramos no mesmo recinto. Não frequentamos os mesmos restaurantes; nunca trocamos uma ideia sequer; não tenho o link de seu blog em meus sites, nem ele tem os meus. Assisti, com Teté, minha esposa, a algumas peças teatrais dele; li e ouvi algumas de suas poesias. Infelizmente não pude comparecer à homenagem que lhe fizeram na Vila Cultural Cemitério de Automóveis, em Londrina (Cemitério de Automóveis é o nome de uma de suas peças, a que assisti há muitos anos). Se lá tivesse ido, certamente teria recitado um trecho de sua obra aos presentes.
É interessante como nos aproximamos das pessoas nos momentos trágicos. Pareceu-me que os projéteis que o feriram atingiram um amigo, não apenas um conhecido distante que nasceu na mesma cidade. Sempre estou à procura de notícias sobre seu estado de saúde, torcendo para que sejam promissoras, esperando ler a informação de seu restabelecimento total e de seu retorno aos palcos paulistanos.

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"GENTE VAZIA PODE SER MUITO PERIGOSA"

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Intrigantes são as coincidências entre o ocorrido com Mário Bortolotto e os nomes escolhidos por ele para suas realizações culturais: o seu blog se chama Atire no Dramaturgo. Jamais ele esperaria que tal coisa acontecesse com ele, mas atiraram nele. Seria Bortolotto um vidente de seu próprio futuro?
A peça teatral de sua autoria que estava sendo apresentada na noite do crime se chama "Brutal; gente vazia pode ser muito perigosa". O bandido que o feriu agiu barbaramente, com extrema frieza, tanto que, depois de Mário estar caído, ainda lhe desferiu mais um tiro. Tamanha brutalidade só pode ser praticada por um indivíduo vazio de sentimentos, de emoções; nenhuma compaixão existe na vida desse ser bestial. É-lhe impossível ter alguma dose de sensibilidade. É um ser extremamente perigoso.

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"O MAL SOBRE PELAS PAREDES E NÃO DERRAPA"


Um texto produzido por ele em seu blog, no dia 1º de dezembro, quatro dias antes de o crime ocorrer, se chama "Nosso instinto primitivo é cair fora, mas, se eu ficar, vou ter que encarar, e eu posso dizer, com conhecimento de causa: o mal sobe pelas paredes e não derrapa". Naquele momento em que ele enfrentou o criminoso, deveria ter-se lembrado dessas palavras escritas menos de cem horas antes e deveria ter caído fora, mas ele ficou e encarou o delinquente e comprovou a veracidade de suas palavras: "o mal sobe pelas paredes e não derrapa".
O mal é pegajoso, é pavoroso, é perverso. O mal impregnou-se em nossa sociedade de maneira sutil e, agora, prevalece sobre o bem. Não há mais espaço para nós, cidadãos benevolentes, que temos de nos esconder em nossas praças-fortes, circundadas por altos muros, com cercas eletrificadas, alarmes, cães agressivos e guardas não tão agressivos assim nem treinados para enfrentar os indivíduos atrozes que nada tem a perder a não ser a própria vida, a que eles valor algum dão.


ENFRENTAR A ANIMALIDADE.

Quem será o próximo? Quando chegará a minha vez? E a sua? Que reação teremos ao nos defrontar com a animalidade? Cairemos fora, seguindo o instinto primitivo, ou ficaremos e encararemos o mal, correndo o risco de enfrentar a própria morte? O medo nos dominou. Ninguém sai de casa sossegadamente a hora alguma do dia ou da noite. Há sempre uma sombra nas esquinas. Há sempre um esgueirar em nossas atitudes quando estamos em espaço público. Bortolotto não estava na rua, não estava na praça; estava em um recinto fechado, que foi invadido pelos marginais.
Nem dentro de casa estamos seguros. Nada impede que sejamos atacados em qualquer lugar. Só nos resta a sorte. Só nos resta a esperança de não ser a próxima vítima da violência, mas tendo a certeza de que alguém o está sendo. Sempre há alguém vitimado. Até quando?
Não quero terminar este texto pensando no mal, mas sim na recuperação de Mário Bortolotto. Que ele consiga sobrepujar a morte e voltar à sua arte. Que assim seja!


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