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Woody Allen mostra que ama tanto o jazz quanto um bom roteiro

Andrea Nunes
12 mar 2001 às 17:22
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Todos os filmes de Woody Allen são auto-referenciais, pois falam dele, suas fobias e neuroses. Neste caso, isso transparece em um enredo que conta a história de um homem com problemas relacionados a mulheres e que tem hábitos, no mínimo, estranhos. Mas existe mais de um modo de Allen se autobiografar. Exemplos disso são o lunático de "Bananas", as comédias sérias como "Maridos e Esposas" e "Desconstruindo Harry" e obras que mostram os gostos particulares de Allen como "A Rosa Púrpura do Cairo", "Tiros na Broadway" e agora "Poucas e Boas".
Este último talvez não seja tão vital ou hilariante quanto os fãs de Woody Allen poderiam esperar, mas ainda assim atinge seus objetivos e as aspirações pessoais de seu diretor. É uma comédia singela que romantiza a era do jazz e lida com os elementos cômicos de um artista genuinamente excêntrico, cuja trajetória de vida é relatada de forma documental, através de fragmentos de alguns rumores e boatos sobre sua pessoa.
Hollywood não pode deixar de reconhecer mais uma vez que Sean Penn (de "Os Últimos Passos de Um Homem", que lhe rendeu a primeira indicação ao Oscar) é um ator brilhante. Seu retrato do fictício guitarrista Emmet Ray é tanto cômico quanto emotivo. Ele soube muito bem captar o melhor e, principalmente, o pior de seu personagem: fumante, bêbado, farrista, mulherengo, gastador, egocêntrico. Resumindo, um imbecil com dedos mágicos. A interpretação de Penn, somada a um personagem bem desenvolvido, engana direitinho os espectadores menos atentos. Quem não leu a sinopse do filme antes de assisti-lo ou não entende nada de jazz vai sair do cinema achando que Emmet Ray realmente existiu.
Samantha Morton (de "Inocentes Pecadores" e "Jesus’ Son") faz um trabalho excelente como a muda Hattie. Seu rosto meigo e seu aspecto inocente fazem o espectador se apaixonar por ela desde o primeiro momento em que aparece na tela. Não há dúvidas de que Penn e Morton mereceram suas indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar no ano passado - e não teria sido uma má escolha se eles tivessem sido premiados.
Em seu projeto mais recente, Woody Allen mostrou a maturidade e o controle conquistados durante seus 30 anos de experiência. Prova disso é que, pela primeira vez, o diretor, que também assina o roteiro, cria um filme não estilizado e sem deslizes de produção. As cenas raramente perdem o ritmo e o teor cômico do enredo é criativo. O diálogo é inteligente e a trama contém profundidade emocional suficiente para fazer as cenas sérias do filme impressionarem bastante o público.
O filme apresenta Emmet Ray como um homem cuja tamanha genialidade musical é compensada por falhas de caráter tão numerosas quanto comprometedoras à sua carreira. Ray pode ser o segundo maior guitarrista do mundo, mas ele também é cleptomaníaco, infantil e irresponsável. Ele é arrogante, porém inseguro e emocionalmente inacessível. Com tanta complexidade, alguns espectadores, entretanto, poderão sentir falta de uma explicação de como um ser abominável pode tornar-se um gênio da música. Mas essa é a ironia do filme, ou seja, um homem com um ego tão grande a ponto de ser destrutivo e que não tem espaço, em sua própria biografia, para suas tragédias pessoais.
Um problema comum entre filmes que tratam de pessoas que têm um dom é o cineasta contar mas não mostrar ao espectador a genialidade do personagem, o que torna a história menos crível. Em "Poucas e Boas", no entanto, a música é extraordinária e em momento algum se questiona o talento que Emmet Ray deve possuir.
Neste conto despretensioso, pode-se facilmente entender porque Woody Allen ama tanto o jazz. O gosto pela melodia é uma analogia a quanto ele aprecia um bom roteiro. Seu senso musical corresponde perfeitamente ao ritmo que ele imprime às cenas de ação. A improvisação, tática tradicionalmente utilizada pelos músicos do jazz, também pode ser notada na informalidade dos personagens escritos por Allen para esse filme.
Os músicos que trabalharam na trilha sonora são excelentes profissionais que ainda contribuíram na caracterização de Emmet Ray. Howard Alden, considerado um dos melhores guitarristas de sua geração (ele tem 40 anos de idade), foi contratado para fazer Sean Penn sentir-se seguro ao atuar tocando guitarra. Alden e Penn passaram um bom tempo juntos ensinando e aprendendo o básico do instrumento. É possível que agora Sean Penn, além de um grande ator, seja também um guitarrista razoável.
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