Pode ser mera coincidência, mas é muito mais uma metáfora. Em conversa, esta semana, com a distribuidora Sílvia Cruz, da Vitrine Filmes, Leandra Leal comemorava o fato de que seu longa Divinas Divas esteja entrando, nesta quinta (22) em 38 salas. Parece pouco, nesta era de grandes lançamentos. Hoje, certos filmes entram em mil e mais salas. Para Leandra é um triunfo. Quando começou a captar para fazer o filme, só ouvia "não". Nenhuma empresa queria ligar seu nome a um filme sobre travestis.
As oito biografadas em Divinas Divas foram guerreiras. Pioneiras do travestismo artístico no País, enfrentaram preconceito, mas se fizeram aceitas. Rogéria define-se como a travesti da família brasileira. Só o fato de o filme, inicialmente rejeitado, maldito, estar estreando em todas essas salas já é um acontecimento.
Para Leandra, então... Embora seja sobre oito artistas do transformismo - Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios -, Divinas Divas é sobre ela, Leandra Leal. Sua história pessoal está muito ligada à do Teatro Rival, na Cinelândia, no Rio. Fundado por seu avô, Américo Leal, aquele foi o território de seu pai, de sua mãe.
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"Aquela cortina vermelha que eu mostro, aquele acesso para o palco, tudo aquilo faz parte das minhas lembranças mais perenes. Criança, eu já vivia naquele mundo das divas. Foi ali, no Rival, de forma muito tenra, que descobri minha vocação de atriz." Ser atriz deu-lhe uma compreensão mais funda do outro, do diferente. "Você aprende a ver o mundo e as pessoas em 360 graus, não uma fatia." Atriz aclamada, premiada - de cinema, teatro e televisão -, Leandra começou a produzir. Queria também dirigir, mas o quê? Quando viu, no Rival, o show Divinas Divas, descobriu seu tema - elas!
É curioso, mas Leandra fala de suas personagens no feminino. Rogéria fala de si mesma no masculino - o travesti. É que, no fundo, ela sabe que Rogéria é uma personagem de Astolfo Barroso Pinto, e nunca desistiu de ser "ele". É a grande sacada de Divinas Divas.
De cara, o filme possui uma das aberturas - a sequência inicial de créditos - mais belas do cinema brasileiro. Nelson Gonçalves canta Escultura. "Cansado de tanto amar/ Eu quis um dia criar/ Na minha imaginação/ Um mulher diferente,/ De olhar e voz envolvente,/ Que atingisse a perfeição." E aparecem as imagens dos homens que vão virando essas mulheres. Todo o filme está aí condensado, com raro brilho e inventividade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.