Curitiba - A comparação entre a obra original e a adaptação, apesar de irritar alguns críticos de visão limitada, sempre acaba sendo inevitável, principalmente nesses tempos de invasão dos quadrinhos para o cinema. Para não fugir da regra, isso também se aplica a V de Vingança, que estreou com bilheteria de 26 milhões de dólares nos Estados Unidos e agora chega ao Brasil.
Antes de mais nada, é preciso entender que a comparação serve justamente para discutir as duas linguagens e também pode servir de parâmetro para julgar o grau de fidelidade e a qualidade de ambos. Nesse caso, evidente que a enchente de informações gráficas e textuais dos álbuns não poderiam ser compiladas à risca no cinema. E nem deveria, até porque o audiovisual tem muito a contribuir às imagens estáticas, com elementos próprios de seu formato.
Em primeiro lugar, a adaptação de V de Vingança precisou de uma reconstrução no roteiro original. Isso acontece porque o cinema precisa de clímax, personagens principais, romance, aventura, entre outras coisas. Além disso, as produções hollywoodianas costumam oferecer segurança ao telespectador, sem perverter a fórmula começo-meio-fim estabelecida há anos.
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Por isso, a maior mudança em relação à obra original acontece justamente na estrutura. Nos álbuns, não há exatamente um personagem principal. V e Evey com certeza estão na maioria das páginas, mas a vida pessoal e o comportamento dos coadjuvantes são tão importantes quanto os protagonistas, na construção do mundo projetado por Alan Moore e David Lloyd. No cinema, a narrativa fica dividida entre V e Evey e usa pouco os antagonistas, no caso, apenas o detetive Finch.
Diferente do que poderia se imaginar, a vendetta pessoal de V ficou melhor nas revistas do que na telona, assim como passagens regidas pela música, que ficaram de fora do longa. A ação acabou fazendo parte somente dos planos para a criação de um clímax.
As teorias políticas de Moore tiveram que mudar, até porque o próprio autor admitiu ter sido inocente durante a confecção do material, no começo dos anos 80. Assim, testes nucleares e o sistema totalitário de uma Inglaterra em 1997 -o longa usa de um futuro em 2020- foram substituídos por algo mais próximo, baseado no governo de George W. Bush, o que é bastante compreensível, já que a película pretende atingir não só os leitores como também a audiência convencional.
É bem verdade que a relação entre Evey e V ganha um pouco mais de sensibilidade ainda que seja menos densa que nas revistas. Isso deveria explicar as ações extremas de pessoas em um regime opressor, para que o público não aceite impunemente um terrorista como herói. Talvez aqui se encontre o maior erro, já que, ao final da projeção, pouca gente deve se convencer de que os meios justificam os fins, como queriam os produtores. O anarquismo e a revolução, realizada de forma impiedosa por V, é muito mais compreensível na obra original, devido às inúmeras camadas de discussão de valores, diluídas em apenas alguns momentos da projeção.
Diante disso tudo, há sim uma grande sacada no filme. Algo que V com certeza poderia fazer no quadrinho e acabou se encaixando perfeitamente na história audiovisual. Seria um pecado revelar para os que não viram, mas adianto apenas que é algo que remete à Revolução Francesa, à todas as revoluções, ao ''mundo das idéias'' de Platão: você pode tentar destruir um homem, mas jamais conseguirá destruir uma idéia.
Bem, afinal de contas, o saldo é positivo, especialmente porque o espectador com certeza terá curiosidade de conhecer a obra original e vai poder entender melhor o filme, se procurar os álbuns. O filme satisfaz, traz o pouco de reflexão, a mirabolante ação, o controverso romance e a parcela de fidelidade que promete. E, apenas por isso, vale pelo menos uma visita aos cinemas. E é claro, uma olhada nos quadrinhos.
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