Seco, duro, preciso e não raro demolidor. ''Marcas da Violência'' , o novo filme de David Cronemberg (''Videodrome'', ''A Mosca'', ''Gêmeos Mórbida Semelhança'', ''Crash''), chega ao Brasil em lançamento nacional depois de uma festejada trajetória internacional que incluiu passagens nos festivais de Cannes, Toronto e Sitges, na Espanha.
Baseado em novela gráfica aquela história em quadrinhos mais ambiciosa, com capa dura, edição de luxo e pretensões literárias adaptada para o cinema por Josh Olson, o filme é sem dúvida uma brilhante encenação de um conto moral sobre a violência.
O mais curioso e o que confundiu muitos ''cronemberguianos'' foi, primeiro, que esta história surge disfarçada por uma aparência comercial e convencional. Depois, a eleição do elenco brilhante faz pensar em produção a serviço de estrelas em moda (neste caso Viggo Mortensen, o Aragorn de ''O Senhor dos Anéis''), o que resulta totalmente o oposto. E terceiro, o argumento linear de um aparente thriller obscuro, ou o relato de um melodrama sobre mudanças familiares, aquelas baseadas em mentiras ocultas no passado.
Leia mais:
Das estrelas ao fundo do mar: confira as estreias nas telonas neste mês de maio
Trailer de nova animação Disney traz Buzz Lightyear com a voz de Marcos Mion
Filme Kingsman 2 - O Círculo Dourado tenta repetir sucesso
Nova série do Star Trek mostra a luta pela paz no mundo
Mas isto tudo é somente uma máscara que o veterano autor canadense coloca sobre a textura de uma obra que, na hora da verdade, é tão mórbida, letal e inquietante como a maior parte de sua filmografia, aquela que se refere à degradação física do ser humano, ao enfrentamento entre homem e máquina, a dualidade corpo-mente, os desequilíbrios psicológicos profundos e as obsessões sexuais.
Tom Stall (Mortensen) é dono de um restaurante e vive uma existência feliz ao lado da família. A estabilidade vai se romper quando, depois que tentam roubar o restaurante, Tom mata em defesa própria dois criminosos perigosos. O fato se transforma em feito, e ele vira herói local e da mídia. E então aparece um estranho chamado Carl Fogarty (Ed Harris), que diz a Tom que ele tem uma conta pendente para acertar.
A pequena cidade do meio-oeste americano é transformada por Cronenmberg em microcosmo, em objeto de introspecção sobre os limites da violência, de suas raízes e da decomposição humana e social. Ali estão os distúrbios interiores que rompem a normalidade aparente e atira os personagens na vertigem do desconhecido.
Cronemberg - e isto fica muito claro - não se converteu em diretor a serviço nem de gênero, nem de rótulo. Através deste pai de família e das ações que o envolvem assistimos a uma lição sobre o como o cinema pode e deve olhar o mundo contemporâneo, sempre de maneira profunda e reveladora.