Coisas, muitas e diferentes, acontecem durante viagens. E a dramaturgia cinematográfica sabe disso. É o que faz o road-movie, ou filme de estrada, um gênero quase autônomo que parece nunca se esgotar, com sua radical concentração de significados.
Uma abertura para a paisagem, o movimento, a aventura e o sempre presente desejo de deixar tudo para trás. Este modelo de filme é flexível o suficiente para abarcar alternativas diversas, como o drama ou a comédia.
O road movie já serviu de base para thrillers criminais (''Bonnie and Clyde'', ''Kalifornia''), para violentas explorações dos limites da liberdade (''Sem Destino'', ''Thelma e Louise''), para hilárias confusões (''Deu a Louca no Mundo'') ou para guerrilhas verbais envolvendo amor e amizade (''Um Caminho Para Dois'', ''O Espantalho'').
''Sideways - Entre Umas e Outras'' se alinha nesta última vertente. Dois homens, dois amigos vivenciam as glórias e os horrores entre si; e cada um é forçado a olhar nos próprios olhos no espelho de um quarto de hotel.
Dito assim, parece um desses pesadíssimos confrontos existenciais que conduzem à auto-destruição. Mas alto lá! O filme é um primor de confecção, uma comédia pairando ali bem no limiar do desespero, e que coloca a questão crucial: como e o quê você faz (ou não) para deixar de se movimentar obliquamente, de lado, ''sideways'', como coloca com justeza o título original?
Dois amigos, Miles (Paul Giamatti, estupendo) e Jack (Thomas Haden Church, tão estupendo quanto). No limiar dos quarenta, Miles vem há dois anos tentando deglutir um divórcio entalado. Amante dos bons vinhos, é escritor frustrado - sua novela experimental com 750 páginas anda rodando sem nenhum alento as editoras de Nova York. Ele não tem nenhuma escolha a não ser matar o tempo.
Quando Jack, velho colega de universidade e ator de TV fracassado, anuncia a Miles que vai se casar, os dois saem estrada afora para uma jornada pré-nupcial que inclui provar (e beber) muito vinho e jogar golfe no verdejante vale de Santa Ynez.
Com esta primeira sílaba em comum, vinho-vida é metáfora, até muito óbvia, mas complexa e recheada de símbolos. Videira, vida. Uma dupla de amigos em busca do bom vinho, de mulheres, de vida, de mudanças. Em busca de algo mais, talvez de um bom pinot, ou de um cabernet, ou de bom sexo, ou de boas histórias para escrever. Em busca de si mesmos? Provável.
Na rota ''vidavinícola'', o paraíso da bebida dos deuses, um local onde o clima é propício e traz consigo um dom: colheitas de qualidade, depois de uma maturação necessária.
Aqui temos, no roteiro-lição do diretor Alexander Payne e de Jim Taylor, todo um universo desenhado para comparações simples e analogias explícitas: vida-amor, vida-vinho, vida amarga, vida tinto ou branco, vida aromática.
Um argumento simples, mas irretocável enquanto escritura, onde um divorciado quer abandonar a mediocridade, e onde um futuro marido deseja beber o celibato até a última gota, valorizando um rol interminável de clichês hormonais - não por acaso Haden Church é candidato a melhor coadjuvante.
Frases hilariantes e eruditas (algumas anedotas e linhas do texto requerem um mínimo de transito enológico, ou pelo menos conhecer alguns tipos de uva) vão compondo e arredondando estas crises humanas numa certa idade. Casamento, causas e implicações; o infindável fim do amor; o desejo, o espírito que jamais se dobra e que tenta sempre algo mais antes que seja demasiado tarde.
Safra jovem, mas com taninos poderosos, amargos, doces, memoráveis, esta de ''Sideways - Entre Umas e Outras'', filme que é permanente convite a um brinde ao complexo e fascinante ato de viver.