Quando vi ‘Os Donos da Noite’ há seis meses na mostra competitiva do Festival de Cannes, a conclusão à saída daquela première mundial era de que alguma coisa estava errada, ou com o filme ou com o festival. Revendo agora, vejo que o desvio de rota foi mesmo da curadoria da mostra. Aliás, outro filme do diretor James Gray, ‘Caminho Sem Volta’, esteve também no festival francês há oito anos, deixando esta mesma impressão de deslocamento, de estranho no ninho.
Ou seja, produto eficiente que dá para um bom gasto, mas carente daquela marca de exceção artística que deve presidir uma lista de selecionados da maior vitrine cinéfila do planeta. Mas Cannes, como Veneza e Berlim, anda com a seletividade comprometida com Hollywood, e como Hollywood há muito anda comprometida com a crise de talento...
Não entendam mal: não é ruim este ‘Os Donos da Noite’ que entra em cartaz nacionalmente, com jeito de filme saído dos anos 1970. Mas ele surge como história policial recontada. Ou quem sabe requentada?
Enquanto uma evocativa vertente clássica, à moda ‘O Poderoso Chefão’, é construída pelo diretor-roteirista James Gray informando o espectador sobre lealdade familiar, rigor da lei e malvados gangsters de Nova York (máfia russa, neste caso), há também uma sensação de coisa já vista, já experimentada antes na sala escura. Isto tem a ver sim com seus dois filmes anteriores, o citado ‘Caminho Sem Volta’ e o melhor assinado por ele, justamente a estréia ‘Fuga Para Odessa’.
Um irmão fora dos eixos legais e outro policial pautado estritamente pelo regulamento: tema reincidente na história do gênero policial desde muitas décadas atrás, com os grandes estúdios acionando seus melhores atores. Clark Gable e William Powell na Metro, James Cagney e Pat O’Brian na Warner.
A dupla de agora é composta pelo obsessivamente legalista Joseph Grusinsky (Mark Wahlberg) e pelo bem-sucedido empresário na noite novaiorquina Bobby Green (Joaquin Phoenix), gerente de casa noturna onde o tráfico e o consumo de drogas pesadas correm soltos por conta de um agressivo braço de uma pré-máfia russa. O ano é 1988, e o cenário é o Brooklin.
Bobby, a ovelha negra, se distanciou muito não somente do irmão, mas também do pai, Burt (Robert Duvall), respeitado chefe da polícia de NY. Para manter-se sem problemas com os traficantes como um dos ‘donos da noite’ e estar de bem com o velho russo dono do clube, ele esconde a ligação com o pai e o irmão policiais, adotando o sobrenome da mãe.
Até que a polícia, informada sobre uma megaoperação com drogas, resolve intervir para sanear o clube e prender os chefes do tráfico. A partir daí, ‘Os Donos da Noite’ se torna uma espécie de conto moral, uma tensa e absorvente narrativa, com um arrependido Bobby trocando de lado e agindo encoberto para ajudar a polícia a desmontar o esquema da droga.
Não se nega a Gray rasgos de competência. Seus melodramas policiais têm bons momentos de ação, atmosfera legítima e personagens com credibilidade, mesmo se definidos de plano e maneira simplista. No quesito ação, destaque para a seqüência brilhantemente fotografada por Joaquin Baca-Asay: uma original perseguição automobilística inserida numa tempestade gerada por computador.