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O triste fim de uma franquia

Carlos Eduardo Lourenço Jorge - Folha de Londrina
23 fev 2006 às 11:00

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'A Pantera Cor de Rosa': tentativa frustrada de ser uma comédia de verdade - Divulgação
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Quando dois amigos são amigos de fato é preciso que haja transparência entre ambos. Parece que não foi o que ocorreu entre o ator Steve Martin e o diretor Shawn Levy, que vinham juntos de duas comédias deploráveis, ‘Doze é Demais’ e sua continuação.

O primeiro evitou dizer ao segundo que ele não tinha qualquer domínio sobre a fórmula da comédia slapstick, o popular pastelão. Por sua vez, Shawn escondeu de Martin que o ator não entendia nada de Inspetor Clouseau.

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Assim iludidos, de costas e incomunicáveis, eles partiram em direções opostas para cometer este equívoco, deixando à critica a penosa missão de anunciar aos quatro ventos que esta nova ‘Pantera Cor de Rosa’ sofre do mal que costuma vitimar muitas comédias: a ausência de humor legítimo e inspirado.

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Desde sempre foi evidente a desvantagem deste projeto que parece ter nascido com intenções suicidas – e o ano inteiro de espera para o lançamento, depois do filme pronto, parece indicar que o fantasma da temeridade assombrou mesmo a produção.

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Tratava-se, nada menos, de competir com a memória dos muitos momentos de pura genialidade criados pela dupla Peter Sellers/Blake Edwards nos anos 1960-70. Embora não produzindo obras-primas, a bem-amada série ‘Pink Panther’ deixou duas verdades dogmáticas: o talento e a habilidade de Edwards para escrever e dirigir comédias e a interpretação inclassificável de Sellers como Clouseau, um híbrido refinadíssimo de invenções ridículas e detalhes meticulosos.


Quatro décadas depois, esta nova versão da primeira ‘Pantera Cor de Rosa’ (houve outros oito títulos com o personagem) não é uma refilmagem, mas pretende ser uma prequela, tanto que por muito tempo o título provisório foi ‘O Nascimento da Pantera Cor de Rosa’.

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A trama ambientada em Paris é inconseqüente, mas não é isto que compromete. Em Paris, o inspetor-chefe Dreyfus, que originalmente tinha os traços hilariamente ensandecidos (e imortalizados) do sempre grande coadjuvante Herbert Lom, desta vez aparece na pele de Kevin Kline.


Ele chama Clouseau para investigar o assassinato de um importante técnico de futebol - a viúva suspeita é a cantora interpretada por Beyoncé Knowles - e o desaparecimento do diamante Pantera Cor de Rosa. Claro que Dreyfus quer que Clouseau se dê mal para resolver o caso-sensação na mídia mundial, e assim ficar com a fama.

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Daí em diante, o filme se dedica penosamente a seguir as tentativas de Martin de fazer graça às custas de Clouseau. O ator bem que tenta reeditar aquelas estúpidas ações investigativas e dedutivas que fizeram com justiça a glória de Sellers. Mas falta algo. E o que seria?


Na verdade, Steve Martin investe numa caricatura ridicularizada e grosseira do personagem, enquanto Sellers elaborou com requintes um ser naturalmente ridículo, um demolidor ao acaso, alguém portador de DNA trapalhão.

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Com rara elegância no domínio do corpo como instrumento da comédia, ele subvertia fisicamente o mundo ao redor, devastava o cenário à sua volta e ficava tão mortificado quando impotente diante do caos provocado – e a tentativa subseqüente de consertar as coisas implicava em nova destruição, num processo muito semelhante àquele de Jerry Lewis em seus melhores títulos.


Outro ponto a considerar: Kline e Martin transitam numa mesma sintonia de comédia, o que eventualmente os coloca não interagindo, mas oponentes. Numa mesma cena, este tipo de confronto costuma ser fatal para o gênero.


Há alguns bons momentos isolados, como as tentativas de Clouseau-Martin de pronunciar a palavra hambúrguer. Ou a presença providencial do ótimo Jean Reno (que felizmente não precisa fingir a pronúncia francesa) no papel do gendarme assistente Gilbert Ponton. Ou ainda a música de Mancini, um clássico para a eternidade.

Mas absolutamente nada que justifique a informação publicitária da distribuidora de que o filme pretende ser uma homenagem a cômicos da estatura de Chaplin e Keaton. A diferença básica é que os mitos citados, e o próprio Sellers, sabiam que comédia é arte da precisão. E precisão é tudo que falta a este lamentável e dispensável ressurgimento de uma franquia de tão saudosa memória.


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