Estreias

O premiado 'Boa Noite e Boa Sorte' estréia em Londrina

23 mar 2006 às 17:25

Recentemente recompensado com dezenas de indicações a prêmios importantes, entre eles o Globo de Ouro e o Oscar de melhor filme, ''Boa Noite e Boa Sorte'', escrito, interpretado e dirigido por George Clooney, finalmente estréia em Londrina.

Mas o que faz deste trabalho um grande momento na história recente do cinema não são os prêmios. Claro que eles ajudam comercialmente no processo de sugestionar um público potencial, sempre fascinado pelo brilho das estatuetas e pelo glamour do tapete vermelho que leva ao pedestal da glória, ainda que efêmera.


Sabe-se que um bom marketing cinematográfico é sempre melhor avalizado pelas premiações. O que, no entanto, caracteriza ''Good Night and Good Luck'' como um filme de pegada indiscutível, de forte empatia com o público, é sua transparente vocação denunciadora, é seu impacto enquanto peça de resistência vital contra a perversidade de sistemas opressores, que procuram esmagar a livre manifestação do pensamento. Tudo isso condicionado em embalagem esteticamente impecável.


Baseado em fatos reais, o argumento situa a ação nos anos 1950. Na temporada 1953-54, a rede americana de televisão CBS emitiu vários programas especiais dedicados às polêmicas investigações do senador republicano Joseph McCarthy à frente do Comitê de Atividades Antiamericanas, um organismo de censura estatal criado pelo presidente Truman no fim da década de 1940.


A equipe encarregada de realizar as reportagens fazia parte do programa ''See it Now'' (Veja Isto Agora), dirigido e apresentado pelo prestigioso jornalista Edward R. Murrow.


A fama de Murrow tinha surgido ao tempo da Depressão e durante a Segunda Guerra Mundial, quando a partir de Londres ele descrevia pelo rádio, com grande riqueza de detalhes, os efeitos dos bombardeios da aviação alemã sobre a capital britânica. Essas transmissões foram um marco divisório nos trabalhos dos correspondentes de guerra.


Mais tarde, início dos anos 1950, quando começou a trabalhar na CBS, Murrow já era celebridade nacional, e seus dois programas - o outro era ''Person to Person'' (De Pessoa a Pessoa) - chegaram a obter média de até 60 milhões de telespectadores.


E foi nesse momento que a paranóia disseminada por McCarthy e seu comitê atingiu limites de paroxismo. Fruto da guerra fria, o temor do comunismo gerou uma cruzada de desconfiança e intolerância, criando quase um sentimento de histeria coletiva contra a ''ameaça vermelha''. A perseguição a suspeitos e não suspeitos, com maior repercussão no meio artístico, foi se ampliando na chamada Caça às Bruxas.


E é nesse momento que Murrow decide bater de frente com McCarthy, usando para isso sua tribuna televisiva. O filme reconstitui este episódio épico na crônica da liberdade de imprensa em chave de docudrama, isto é, ficcionaliza farto material documentário, de arquivo. A combinação desses elementos narrativos resulta em convincente sensação realista.


Em síntese, ''Boa Noite e Boa Sorte'' é a exposição, concentrada e habilmente articulada, da situação inquisitorial gerada pela macartismo. E da resposta dura, corajosa e eficiente da mídia eletrônica via Murrow, que, naquele tempo, ainda não ostentava este rótulo.


Com a perspectiva autorizada pela pesquisa/análise minuciosa e pelo distanciamento histórico, George Clooney, realizador com idéias e personalidade próprias, focaliza o assunto em um único e estrito ponto de vista, o de Edward Murrow (David Strathairn). Sem dúvida uma aposta arriscada, mas plenamente consumada. Uma aposta arriscada que tem muito a ver com a concepção estética do filme.


Rodado em seis semanas a custo extremamente baixo, algo em torno dos 7 milhões de dólares, o filme aparece para o público como uma história pontual e pequena, que despreza o espetáculo pirotécnico em favor da clareza do discurso necessário.


Clooney se dá muito bem quando constrói um ambiente deliberadamente claustrofóbico, fazendo sua câmera circular apenas nas dependências da sede da rede CBS, deixando em absoluto segundo plano o que ocorre fora do prédio.


A eleição pelo preto-e-branco, fortemente contrastado por luz e sombra, é decorrência natural dessa concepção artística, elegante, classicamente estruturada nos moldes hollywoodianos.


As pausas musicais, hits de época na voz estupenda de Diane Reeves, só acentuam esta ambientação numa oportuna espécie de comentário ao pé de página.


A estratégia política, a atividade ética, a defesa dos direitos e das liberdades e a influência da televisão convergem numa história que retira seu maior peso narrativo dos verdadeiros discursos de Murrow e da presença real e ameaçadora de McCarthy - Cloney acertadamente não optou por um ator, utilizando sempre imagens do verdadeiro senador.

Grande lição de cinema e de liberdades democráticas, ''Boa Noite e Boa Sorte'' mantém absoluta atualidade - o dedo de Clooney aponta para o próprio quintal - como história comprometida com a verdade e com a luta contra forças obscuras que tentam oprimir as sociedades em tempos de crise.


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