Estreias

Nada é perecível, tudo se recicla

15 out 2004 às 20:45

A distribuidora Lumière fez a coisa certa, e simultaneamente com o lançamento no país deste segundo volume, abasteceu as locadoras com o primeiro volume de ''Kill Bill'', cinco meses depois da estréia nos cinemas. Assim fica mais fácil embarcar nesta trip em que Quentin Tarantino primeiro armou o jogo e depois arrematou as jogadas.

Na base dos murros, golpes e exercícios físicos inverossímeis, a primeira parte de seu filme hiperbólico apareceu na tela mais como um videogame com requintada trilha sonora do que aquela tão aguardada quarta obra do garoto gênio de Hollywood.


Em todo caso, Tarantino em pessoa explicava que ''Kill Bill Vol. 1'' tinha sido feito propositalmente desta maneira; não queria que fosse alguma coisa muito real, mas que fosse uma espécie de filme dentro do filme. ''Kill Bill é o filme que Vincent Vega (John Travolta) veria dentro da trama de 'Tempo de Violência''', disse o diretor de ''Cães de Aluguel''.


A mudança em torno de ''Kill Bill Vol. 1'', comparada com seu trabalho anterior, ''Jackie Brown'', foi evidente. Menor quantidade de seus famosos diálogos referentes à cultura pop e menos complexidade estrutural mostraram uma faceta mais corrente de Tarantino que, na ausência de seus conhecidos quebra-cabeças formais (como combinação de flashbacks e tempo presente), veio com tudo ao encontro dos excessos, desde jorros de sangue até lutas surrealistas.


Mais pausado, mais falante claro que com fina ironia e elegância de escritura e menos espetacular e vertiginoso, o diretor está de volta com este ''Kill Bill Vol. 2''. Ele aqui segue o périplo da Noiva (Uma Thurman) em busca de vingança contra aqueles que a deixaram em coma há quatro anos.


Mas se na primeira parte tudo se passava por conta de razões sem maiores procedências, já que muitas coisas não eram explicadas, agora o roteiro de Tarantino entrega a fatura completa, isto é, nesta segunda parte são respondidas todas as perguntas que ficaram no ar.


Tem mais: a sequela de certa maneira serve como vitrine para exercícios de estilo, como a homenagem às sinopses hitchcockianas da década de 1960, às paisagens desérticas dos western spaghetti do mesmo período e ao suspense em branco-e-preto dos filmes B, como na sequência da enterrada viva.


O filme parte da retomada do prólogo do Vol. 1, em branco-e-preto, oferecendo uma nova versão da tentativa de assassinato da Noiva por parte do enigmático Bill (David Carradine) e de seus seguidores.


Longe das citações ao universo das histórias de yakuza (a máfia japonesa) que preencheram boa parte do primeiro ato, agora Tarantino se aprofunda nas típicas paisagens norte-americanas para homenagear os faroeste-espagueti assinados por Sergio Leone e as trilhas musicais de Ennio Morricone.


Mas Tarantino não abandona sua veneração pelo Oriente, e de novo resgata os códigos, a estética e as cenas de ação da produção asiática dos anos 1970, tendo os filmes dos Shaw Brothers como principal modelo de inspiração.


Convidado de honra do recente Festival de Veneza para apadrinhar a retrospectiva ''A História Secreta do Cinema B Italiano'', durante duas semanas Quentin Tarantino em pessoa rendeu homenagem a muitos de seus ídolos e fontes de influência explícita, realizadores e filmes que ajudaram a construir a indústria de cinema da Itália durante os anos 1960, 70 e 80.

Na base do cinema de Tarantino está não apenas este modelo europeu bem datado e definido, mas também outros gêneros e subgêneros menores, fontes que ele, a um só tempo iconoclasta e reverente, sabe reciclar como poucos. Talvez mesmo como nenhum outro.


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