Seria apenas outra adaptação para cinema de uma série televisiva famosa e de certa qualidade, não fosse por um detalhe importante: o competente produtor executivo do original levado ao ar entre 1984 e 89 tornou-se agora diretor do longa-metragem, com controle total sobre o projeto. Não bastasse isto, o nome na tela é Michael Mann, cineasta notável, com longa carreira onde quase todos os filmes refletem uma particular e muito confiável visão artística ''Caçador de Assassinos'', ''Heat'', ''O Último dos Moicanos'', ''Colateral''.
''Miami Vice'' agora entra em circuito nacional. E não obstante os nomes dos personagens serem os mesmos, como também o background geográfico, não há quase semelhança entre o que se via na telinha e aquilo que agora chega às salas e que paradoxalmente em pouquíssimo tempo estará de volta à telinha, pirateado ou legalizado, pouco importa.
Revisto na televisão, ''Miami Vice'' é curiosidade histórica, com argumentos previsíveis e melodramáticos decorados com a parafernália pop dos anos 80, desde roupas até a onipresente musica da época.
Já no longa-metragem o público vai encontrar uma visão crua e violenta do underground do tráfico, veiculada através de um estilo que oscila entre a lentidão e o frenesi da narrativa. Em consequência, há fluidez que arrebata e ritmo arrastado que entorpece.
Os tiras Sonny (Colin Farrell) e Ricardo (Jamie Foxx) investigam poderosa rede de traficantes em Miami. Eles descobrem que os delinquentes de algum modo conhecem seus planos. Para descobrir como as informações vazam, a dupla mergulha mais e mais no submundo, agora se fazendo passar por distribuidores de drogas para chegar até o megatraficante Montoya (Luis Tosar), que sabe tudo e muito além sobre a rede por onde e para quem circula a droga.
Valendo-se de uma estética ao mesmo tempo naturalista e estilizada, graças ao uso do vídeo digital (e já bem utilizado em ''Colateral''), Michael Mann obtém em alguns momentos a fluidez do documentário; mas logo ângulos e posição da câmera, ostensivamente artificiais, se conjugam para criar uma espécie de hiper-realidade, dando mais densidade às cenas de impacto.
Isto deve ser muito festejado pelo espectador que foi ao cinema em busca de ação, porque embora existam segmentos tensos e emocionantes em ''Miami Vice'', não se pode negar que durante boa parte de suas duas horas a trama se arrasta preguiçosamente. São cenas e mais cenas de diálogos vagos que pouco ou nada acrescentam.
Não se pretende aqui fazer apologia de adrenalina e congêneres gratuitos. Há ótimos momentos de muita agitação, e absolutamente indispensáveis. Mas o roteiro perde tempo demasiado em detalhes confusos que emperram o fluxo da narrativa. Multidão de personagens, conversa mole, vilania grandiloquente, um romance frouxo, cenas de amor artificiais.
''Miami Vice'' melhora, e muito, no último terço, providencial para sacudir a platéia. Mann é muito bom quando se decide por um filme policial contemporâneo, denso e de alta temperatura. Farrell e Foxx formam dupla aceitável embora sem conexão emocional, mas o simples fato de não praticarem as surradas fórmulas ''policial mau/policial bom'' ou ''inimigos no começo/amigos no fim'' já é um grande feito.