O problema das histórias que não aconteceram não é o que se inventa, mas o que se esquece de inventar. Quando Éder (interpretado por Lázaro Ramos) conta que acabou de matar um cara, desencadeia uma série de acontecimentos, que podem ser reais ou fictícios.
Quem decide é o espectador de ‘Meu Tio Matou um Cara’, filme do gaúcho Jorge Furtado estréia nacionalmente no final de semana da virada de 2004 para 2005.
Depois do bem-sucedido ‘O Homem que Copiava’, Furtado mais uma vez mergulha na lógica do hipertexto para contar uma história aparentemente simples, mas com vertentes variadas que ganham ares fantásticos.
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O roteiro do filme é baseado num conto do próprio diretor, escrito há quatro anos. No ano passado, o também diretor Guel Arraes sugeriu que Furtado transformasse o conto em um longa, idéia aceita desde os dois assinassem juntos o roteiro.
As filmagens de ‘Meu Tio’ aconteceram na metade de 2004, em Porto Alegre, misturando jovens e talentosos atores com veteranos do cinema nacional.
Estréia no núcleo principal do longa, Sophia Reis, filha do cantor Nando Reis. A garota de 15 anos já tinha experiência com teatro. Fez teste para participar do elenco do filme e acabou ganhando o principal personagem feminino. É pela personagem dela que Duca (Darlan Cunha, o ‘Laranjinha’ de Cidade dos Homens) se apaixona.
Duca usa detalhes da história de seu tio Éder, que no início do filme entra no apartamento da família contando que acabou de matar um cara, para entreter a garota, amiga de infância por quem é apaixonado, e tentar conquistá-la.
O problema é que ela está mais interessada em Kid (Renan Giolli, que faz o seu segundo longa-metragem, o primeiro, dirigido por Carlos Reichenbach, ainda inédito), amigo dos dois. Integram o elenco principal, Dira Paes e Ailton Graça (pais de Duca) e Deborah Secco, como a namorada do tio Éder.
Mas quando se trata de Jorge Furtado, uma história nunca é apenas uma história. Ela se divide em tantas pequenas tramas que fica difícil (felizmente) encontrar o x da questão.
‘Meu Tio Matou um Cara’ pode ser uma história das relações da família brasileira. Pode ser uma trama de linguagem adolescente. Pode ser uma alusão ao mundo dos jogos interativos que os meninos e meninas mergulham atualmente. Pode mostrar como o preconceito racial acontece (ou não) na classe média. E pode ser tudo isso.
‘Na nossa mente, uma imagem puxa a outra. É assim que as coisas acontecem comigo e tento mostrar essa realidade nos meus filmes’, conta Furtado, em entrevista ao caderno Folha 2 da Folha de Londrina.
Ele sabe que esse estilo inconfundível de direcão, já carimbado desde ‘Ilha das Flores’, premiado curta da década de 80, vem fazendo escola, mas avisa: ‘Eu tento não ter um estilo, mas coincidentente os personagems dos meus três longas (‘Houve uma Vez Dois verões’, O Homem que Copiava’ e Meu tio’) são narradores, o que acaba levando a essa lógica de raciocínio’.
Outra coisa em comum nos três longa-metragens dirigidos por Furtado é o mergulho no mundo adolescente. ‘Acho os adolescentes fantásticos. É uma fase muito rica e pouco retratada’, diz.
A convivência com os filhos adolescentes (Pedro e Júlia, hoje com 21 e 18 anos) ajudou a construir esse universo nas telas com fidelidade. Em ‘Meu Tio’, por exemplo, Duca é um garoto aficionado por jogos de computador, principalmente os policiais.
Para retratar essa predileção, foi criado um jogo especialmente para o filme. A lógica da atividade se mistura com o próprio raciocínio do personagem de Darlan Cunha no decorrer da trama.
‘Eu lembro que quando eu jogava videogame, ficava tão fascinado que acabava o jogo e eu ainda achava que os prédios estavam desabando’, brinca Furtado. A idéia é comercializar o jogo, batizado de ‘Cena do Crime’, assim que sejam resolvidos entraves financeiros que uma empreitada desse porte exige.
Enquanto o jogo não é comercializado, porém, a cena do crime de ‘Meu Tio Matou um Cara’ é uma excelente diversão. A vantagem é que o espectador vai sempre sair ganhando.