Carlos Eduardo Lourenço Jorge
De Londrina
Especial para a Folha 2
Quando o diretor Ang Lee for chamado no dia 25 para receber seu Oscar – ou de melhor filme, ou de melhor filme estrangeiro ou de melhor diretor, um desses não escapa – a Academia estará fazendo justiça ao filme que, mesmo não sendo uma consumada obra-prima, reúne número de qualidades mais que suficientes para figurar entre os melhores do ano passado. Em ‘O Tigre e o Dragão’, que estréia hoje no circuito paranaense , convivem as artes marciais no melhor estilo de Hong Kong com o melodrama romântico próprio das novelas róseas; a magia e a bruxaria com a tradição oral e as lendas chinesas, a nobreza corrupta com bandidos heróicos, a tragédia lacrimogênea com a comédia popular. Este épico de apenas US$ 12 milhões, que em termos espetaculares nada fica a dever, por exemplo, à saga de ‘Star Wars’, é uma espécie de reformulação dos clássicos e massivos filmes chineses de fantamas.
Com história ambientada em fins do século 19, últimos anos da dinastia Ming, ‘Crouching Tiger, Hidden Dragon’ é um flagrante da China à beira de mudanças profundas. Li Mu Bai, um guerreiro legendário, decide buscar novos caminhos e entrega sua mítica espada de jade a Yu Shu Lien, uma guerreira de igual valor e maestria a quem declarou eterno amor. Quando a espada desaparece, todas as suspeitas recaem sobre Jen, uma jovem aristocrata condenada pelos pais a casar-se com um homem a quem não ama.
Trama e subtramas são tão singelas quanto enganosas. Há o amor nunca consumado entre o guerreiro (interpretado por Chow Yun Fat, ator-fetiche de John Woo) e a guerreira (Michele Yeoh); há uma jovem nobre (Zhang Zi Yi, vista há pouco em ‘O Caminho Para Casa’, de Zhang Yimou, e considerada a nova Gong Lii) que deve escolher entre o casamento arranjado e uma relação passional no deserto com um jovem lutador, Lo (Chang Chen). E há ainda lutas sem tréguas com roubos, emboscadas, vinganças familiares.
Não por acaso Ang Lee descreveu seu filme como um ‘Razão e Sensibilidade com lutas’. O conflito que reúne os quatro protagonistas – amores não declarados, deveres sociais, paixões intensas, duvidas existenciais – resultam muito parecidos àqueles das novelas de Jane Austen ou de Henry James. E que estes dois nomes sejam aqui citados prestigiando um filme de artes marciais parece à primeira vista estranho, até indevido. Mas tudo se esclarece quando se depara com o roteiro equilibrado entre o cinema chinês mais cabeça e o outro, mais contorcionista. No primeiro caso, muita atenção ao olhar feminista proposto por Lee, ao espírito de resistência frente aos condicionamentos familiares e aos códigos sociais. Além, é claro, da alegoria sobre a sociedade chinesa reprimida e subjugada.
O certo é que qualquer digressão mais elaborada passa para segundo plano quando o espectador penetra e percorre as trilhas das artes marciais, numa rara experiência física. Com o inestimável suporte de Yuen Woo-Ping – criador das cenas de ação de ‘Matrix’ e de vários filmes de Jackie Chan –, e com solos do talentoso violoncelista Yo-Yo-Ma como fundo musical, Ang Lee transformou as sequências de lutas em fascinantes coreografias. A gravidade simplesmente desaparece: os lutadores saltam e voam, caminham sobre a copa das árvores, lutam sobre telhados e saltam rios com quase nenhum impulso. As batalhas voadoras sobre cidades e bosques, protagonizadas na maioria por mulheres guerreiras, são de tamanha criatividade que as platéias ocidentais são automaticamente flagradas em manifestações de assombro. O que no papel poderia parecer absurdo ou ridículo resulta em dinâmico relato das histórias de amor e ódio que se entrecruzam.