Provavelmente não exista escritora mais feliz em seu túmulo do que a inglesa Jane Austen. Claro, ela não viveu (1775-1817) para conhecer o cinema, mas teria muito orgulho e quase nenhum preconceito diante das inúmeras adaptações de suas obras levadas à tela.
Entre os livros mais importantes que frequentaram e enriqueceram a imaginação de roteiristas em várias ocasiões estão ''Razão e Sensibilidade'' (Ang Lee, 1995), ''Emma'' (Roger Michell, 1995), ''Mansfield Park'' (Patrícia Rozema, 1999) e ''Orgulho e Prejuízo'' (Robert Z. Leonard, 1940). E é este ''Pride and Prejudice'', considerada sua obra-prima, que neste momento chega às telas do planeta.
Na verdade houve nove transposições deste clássico da literatura de costumes para o cinema inclusive uma indiana feita há dois anos em chave revisionista de Bollywood. Até aqui o destaque era uma extensa (3h20) e muito elogiada minissérie da BBC exibida em 1995 e dirigida por Simon Langton.
Mas com a duração aí por volta de duas horas, a presente versão de ''Orgulho e Preconceito'', assinada por Joe Wright, funciona bem de início ao fim, pura experiência de prazer. Tanto pelo corte final de um roteiro que soube, mesmo condensando o alentado volume, ser fiel não só ao texto mas também ao contexto em que o romance nasceu, como ainda pela excelência do elenco. E por outras virtudes paralelas da produção.
A novela escrita por Austen em 1813 está na tela cheia de vida, com suas alternativas e sutilezas emoldurando a trama central. Que é, basicamente, a odisséia da família Bennet, típica da burguesia rural, com mais nome que fortuna. E todos desejosos, sobretudo a mãe (Brenda Blethyn), de casar bem casadas as cinco filhas.
A mais velha e mais bela, Jane, parece que terá brevemente como marido o gentil aristocrata Bingley, que a ama e é correspondido. A real protagonista e segunda das irmãs, a inteligente e temperamental Elizabeth (Keira Knightley, disputando o Oscar), está em dúvidas em relação a outro ricaço, o taciturno Darcy (Matthew MacFadyen).
Estas indecisões, estas reticências, estas duas promessas de felicidade que estão no centro do argumento somente serão cumpridas quando todos e todas crescerem intelectual e emocionalmente, superando orgulhos e preconceitos, elementos chaves de uma novela que, como poucas, exemplifica as relações humanas e a capacidade de mudanças e aprendizagem. E enquanto isto não ocorre, a mobilidade social é ilustrada por outras uniões, às vezes forçadas, às vezes pura conveniência.
Fiel ao espírito romântico que manteve o texto sempre celebrado como cult ao longo de quase dois séculos, ''Orgulho e Preconceito'' deve agradar até mesmo aos mais exigentes admiradores de Jane Austen. Porque o quadro social, alvo número um do olhar crítico da escritora, aparece intacto, mantendo-se a riqueza das observações e o recorte de suave tragicomédia de costumes a mão de Emma Thompson, Oscar pelo roteiro de ''Razão e Sensibilidade'', esteve presente no tratamento final da adaptação de Deborah Moggach
Entre os demais méritos, o esmerado desenho de produção desde a maquiagem até o vestuário ou os detalhes de decoração é peça orgânica para os comentários sobre os desníveis sociais ao final do século 18.