Nas entrevistas que tem dado a respeito de ''Leões e Cordeiros'', um aparentemente pessimista Robert Redford diz sempre que abandonou a idéia do poder do cinema como instrumento transformador da história. Exagero.
Assistindo o filme com atenção, o público fica sabendo que na verdade o diretor realizou um filme com engajamento, empenho e clareza necessários para sacudir a apatia dos jovens dos EUA.
Incisivo e polemico, ''Lions for Lambs'' tem aquela pegada das obras que nasceram com vontade de agitar a entorpecida consciência do mundo. O tom é crítico, com certeza, mas não abre mão do diálogo. E por isso merece, e deve ser visto.
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Outrora sex symbol tão reverenciado quanto contrariado, ao longo de sua trajetória artística Robert Redford deu solidez a um personagem público fascinante. Seu trabalho como mentor do Sundance, o festival de cinema independente, é apenas uma de suas facetas mais celebradas.
Aos 71 anos, ele ainda encarna à perfeição a velha meta idealista e dinâmica de seu país, disposto a tudo para alcançar seus sonhos mais progressistas. Um papel hoje desempenhado pelo sucessor natural, George Clooney, enquanto Redford se refugia em seu rancho em Utah, protegido por seu prestígio e sempre muito comprometido com o meio ambiente.
Foi preciso aparecer Bush para que Redford deixasse o sossego e assinasse seu filme mais nitidamente político entre os sete que realizou desde a premiada estréia em 1980, com ''Gente Como a Gente'', na verdade um drama intimista.
Quase 20 anos depois de ''Rebelião em Milagro'' (1988), ele retoma aqui o ímpeto ativista e parte para um libelo contra seis anos de guerra inútil no front iraquiano, mantida por uma administração em permanentes manobras para sustentar um poder que conduz à autodestruição.
A história de ''Leões e Cordeiros'', ambientada em nossos dias e em três lugares diferentes do planeta, é protagonizada por um punhado de personagens relacionados entre si: um veterano professor, um jovem estudante, um político sagaz, uma jornalista experiente e dois soldados, um hispano e outro afrodescendente atualmente no front do Afeganistão. Estes dois também foram alunos do professor Malley (Redford), intelectual desencantado com a falta de motivação de garotos e garotas para os quais leciona numa universidade da Califórnia.
Um desses alienados é Todd (Andrew Garfield), brilhante e briguento, mas desprovido de qualquer compromisso sociopolítico. No momento Malley tenta motivar o rapaz. Enquanto isso, em Washington, a influente jornalista Janine Roth (Meryl Streep) conversa com Jasper Irving (Tom Cruise), ambicioso senador republicano pronto para confundir a opinião pública acerca dos rumos estratégicos da guerra. Ele quer que a jornalista o ajude a tornar favorável junto à população a guerra que os EUA promovem contra o terror e o fortalecimento dos laços entre todas as facções muçulmanas.
A ação salta de um episódio a outro, estabelecendo vínculos entre os personagens e seus respectivos discursos. O que acontece na universidade pertence ao âmbito da teoria. O que acontece na esfera do senador é parte da política. E os acontecimentos trágicos no Afeganistão são exemplo prático do que ocorre quando a teoria e a política não se colocam de acordo. O que é evidente no filme é a determinação de Redford em instigar o espectador a formular mais perguntas do que normalmente faz a respeito do tema e, ao mesmo tempo, criar um espírito de maior participação no destino público de um país. Na superfície, o destinatário principal do filme são os jovens, por conta da considerável responsabilidade que têm diante do futuro. Mas de fato, a convocação para o envolvimento é para todos.
Neste sentido, é obrigatório um registro. O roteirista do filme, Matthew Carnahan, conta que certa noite assistia televisão em casa. Durante o distraído zapping, ele parou por alguns segundos para ver um noticiário sobre a guerra do Iraque. Sem perceber, foi logo adiante até encontrar um canal de esportes. Diz ele: ''Como um cão que morde o rabo, não se sabe se a falta de atenção e a consequente diminuição do pensamento crítico é consequência de uma narcotização coletiva (de mídia e política), ou se implica numa anulação espontânea do empenho pessoal''.
Com diálogos bem escritos e uma linearidade funcional quanto a expor uma realidade amarga, ''Leões e Cordeiros'' vai direto à consciência de quem ainda acredita em mudanças. Redford se concentra na construção de uma teoria, na demolição do pessimismo que paralisa a geração de jovens. O final deixa aberta a esperança nos olhos de alguém que deve se decidir entre sair em busca de um mundo melhor, sem conflitos, ou se fechar como se nada tivesse acontecido neste mundo caótico em que se vive, mesmo antes do 11 de setembro.
* O título ''Leões e Cordeiros'' foi tirado por Redford de um fato ocorrido em 1916 durante a Primeira Guerra Mundial, na sangrenta batalha de Somme em que morreram 420 mil ingleses. É uma frase atribuída ao comandante alemão Max von Galwitz. Impressionado com o valor dos jovens soldados ingleses que eram enviados a ataques suicidas por superiores incompetentes, que ficavam a salvo em tendas confortáveis, ele disse: ''Jamais tinha visto leões tão valentes comandados por cordeiros''. Mas há quem assegure que o autor original foi Alexandre Magno, três séculos antes de Cristo: ''Nunca tive medo de leões comandados por cordeiros, mas sim de cordeiros comandados por um leão''.