Como homenagear no cinema um dos maiores sucessos da história do teatro no Brasil? Este o desafio que a diretora Carla Camurati enfrentou ao realizar ''Irma Vap - O Retorno'', que estréia em todo o país.
Foram 11 anos, de 1986 a 1997, circulando pelos palcos do Brasil. Sempre com a mesma afinadíssima dupla em cena, Ney Latorraca e Marco Nanini. Uma façanha digna até do Guiness Book, onde figura como o espetáculo teatral que se manteve mais tempo em cartaz em todos os tempos, com o mesmo elenco.
A peça é ''O Mistério de Irmã Vap'', vista no país por 3 milhões de espectadores, foi recordista também Londrina, quando se apresentou durante dez dias no Teatro Ouro Verde, em novembro de 1989.
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Um fenômeno por inúmeras razões, desde sua inócua fórmula do Teatro do Ridículo, subgênero ''terrir'' (mistura de terror com humor), assinada pelo dramaturgo americano Charles Ludlam, até a impagável capacidade histriônica de Latorraca-Nanini E passando pela engenhosidade da proposta de montagem, com destaque para a fervilhante movimentação cênica dos atores, que em segundos trocavam de roupa para viver oito personagens femininos e masculinos.
Há quem jure que os bastidores eram ainda mais divertidos do que a boca de cena, e disso se aproveitou a diretora Camurati para, em 1990, fazer um curta metragem, ''Bastidores'', sobre o troca-troca nas coxias.
Agora, muito anos depois (anos demais, até), o longa sobre ''Irma Vap'' chega às telas. Mas não se trata da adaptação da peça, pura e simples - o que não seria possível sem sacrificar boa dose do charme do espetáculo original.
Pensou-se numa trama paralela. E como ocorreu a atualização? Morto um dos produtores da peça, o sócio deste decide remontar ''Irma Vap'' com um novo elenco, convidando um dos dois atores antigos (Latorraca) para dirigir a montagem. O problema é que os direitos da peça estão em poder do outro ator (Nanini), paralítico após um acidente de carro, atualmente vivendo recluso numa casa e sob a tutela despótica da irmã megera.
Camurati mantém a tradição de múltiplos personagens vividos somente pelos dois atores, e assim Latorraca & Nanini se revezam na pele da mãe do primeiro e da irmã do segundo, e só ao final, para matar as saudades, voltam a alternar os hilários Lady Enid, Nicodemo, Lord Edgard e Jane, as criaturas criadas no palco por Ludlam.
O que a diretora não consegue, no entanto, é o timing da comédia espontânea, o frescor daquela farsa amalucada todas as noites valorizada pelo escracho que envolvia e tornava cúmplice as platéias.
É bem verdade que os dois grandes atores fazem valer seus talentos e sua vasta experiência e criatividade, especialmente Nanini, que compõe uma inesquecível Neide, a irmã malvada do infeliz paraplégico.
Na composição do argumento entra a homenagem-paródia explícita de um clássico hollywoodiano, ''O Que Terá Acontecido com Baby Jane?'' - e até aí nada demais, já que o texto da peça tinha por sua vez parodiado o cult hitchcockiano ''Rebeca, a Mulher Inesquecível''. Mas há um certo excesso nesta referência cinéfila, o que esvazia consideravelmente o interesse do espectador.
Entre reverenciar o mega-sucesso do palco e apresentar ''Irmã Vap'' a uma nova geração que somente colecionou referências elogiosas, o filme e consequentemente o desafio de Camurati se perdem a meio caminho.